Textos de Referência


Textos clássicos e/ou fundamentais sobre a relação entre Estado, economia e interesses.




OS GASTOS COM AS OBRAS E AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS - ADAM SMITH


I

A aversão a política de gastos do governo, como tal, é superada sob o fascismo pelo fato de que a máquina do Estado está sob o controle direto de uma parceria das grandes empresas com o fascismo. A necessidade do mito das “finanças saudáveis”, que servira para impedir o governo de causar uma crise de confiança devido aos gastos públicos, é removida. Em uma democracia, não se sabe como será o próximo governo. Sob o fascismo não há próximo governo.
Agora deve-se reconhecer que a fase em que “os líderes empresariais” poderiam se dar ao luxo de ser oposição a qualquer tipo de intervenção do governo para aliviar a depressão é mais ou menos passado. Três fatores contribuíram para isso: (i) muito pleno emprego durante a presente guerra; (ii) desenvolvimento da doutrina econômica do pleno emprego; (iii) em parte como resultado desses dois fatores, o slogan “O desemprego nunca mais” agora está profundamente enraizado na consciência das massas. Esta posição reflete-se nos recentes pronunciamentos dos “capitães da indústria” e seus especialistas. A necessidade de que “algo deve ser feito na depressão” é consensual; mas a luta continua, em primeiro lugar, quanto ao que deve ser feito na depressão (ou seja, o que deveria ser a direção da intervenção do governo) e em segundo lugar, que isso deveria ser feito apenas na depressão (ou seja, apenas para aliviar recessões em vez de garantir permanentemente o pleno emprego).

O terceiro e último dever do soberano ou do Estado é o de criar e manter essas instituições e obras públicas que, embora possam proporcionar a máxima vantagem para uma grande sociedade, são de tal natureza, que o lucro jamais conseguiria compensar algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos, não se podendo, pois esperar que algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduo as crie e mantenha. Também o cumprimento deste dever exige despesas cujo montante varia muito conforme os diferentes períodos da sociedade. Depois das instituições e obras públicas necessárias para a defesa da sociedade e para a administração da Justiça — ambas já mencionadas —, as demais obras e instituições públicas consistem sobretudo nas que se destinam a facilitar o comércio da sociedade e nas que visam a promover a instrução do povo. As instituições destinadas à instrução dividem-se em dois tipos: as que visam à educação da juventude e as que visam à instrução dos cidadãos de todas as idades. Para examinarmos a maneira mais adequada de atender às despesas inerentes a esses diversos tipos de obras e instituições públicas, dividiremos esta terceira parte do presente capítulo em três artigos. 

ARTIGO I 

As obras e as instituições públicas destinadas a facilitar o comércio da sociedade.

Em primeiro lugar, as que são necessárias para facilitar o comércio em geral. É um fato evidente, que não precisa de nenhuma demonstração, que a criação e manutenção das obras públicas para facilitar o comércio em qualquer país — tais como boas estradas, pontes, canais navegáveis, portos etc. — necessariamente requerem gastos cujo montante varia muito, de acordo com os diversos períodos da sociedade. As despesas para construir e manter as estradas públicas de qualquer país devem  forçosamente aumentar ao mesmo tempo que a produção anual da terra e do trabalho de respectivo país, ou ao mesmo tempo que a quantidade e o peso das mercadorias que se torna necessário buscar e transportar nessas estradas. A resistência de uma ponte deve adequar-se ao número e ao peso dos veículos que provavelmente passarão por ela. A profundidade e o volume de água para um canal navegável devem ajustar-se ao número e tonelagem das barcaças que provavelmente transportarão mercadorias através dele, e as dimensões de um porto têm que se adequar ao número de embarcações que provavelmente nele ancorarão.

Não parece necessário que os gastos feitos com obras públicas sejam pagos com aquela receita pública — como se denominá-las —, cujo recolhimento e aplicação, na maioria dos países, estão confiados ao poder executivo. A maior parte dessas obras públicas pode ser facilmente administradas de tal maneira que elas mesmas gerem uma receita específica suficiente para cobrir seus próprios custos, sem acarretar ônus algum à receita geral do país.

Uma estrada, uma ponte, um canal navegável, por exemplo, na maioria dos casos podem ser construídos e mantidos mediante o pagamento de um pequeno pedágio pelos veículos que os atravessam; em se tratando de um porto, com a cobrança de uma moderada taxa portuária por tonelagem a cada embarcação que nele for carregada ou descarregada. A cunhagem de moeda, outra instituição para facilitar o comércio em muitos países, não somente cobre suas próprias despesas como também gera uma pequena receita ou senhoriagem paga ao soberano. Os serviços postais, outra instituição destinada ao mesmo fim, além de pagar suas próprias despesas, em quase todos os países propiciam renda bastante considerável para o soberano.

Quando os veículos que trafegam por uma estrada ou por uma ponte e quando as barcaças que percorrem um canal navegável pagam pedágio em proporção ao seu peso ou tonelagem, cobrem a manutenção dessas obras públicas exatamente na proporção do resgate que nelas causam. Dificilmente parece possível inventar um meio mais eqüitativo de manter tais obras. Ademais, esta taxa ou pedágio, embora adiantada pelo transportador, acaba sendo paga pelo consumidor, do qual ela sempre será necessariamente cobrada no preço das mercadorias. Todavia, uma vez que as despesas de transporte são altamente reduzidas por tais obras públicas, as mercadorias, não obstante o pedágio, tornam-se para o consumidor mais baratas do que seriam de outra forma, pois o aumento do preço decorrente do pedágio é inferior à redução de preço decorrente do baixo preço do transporte. Por conseguinte, a pessoa que finalmente paga o pedágio ganha nesta aplicação mais do que perde pagando a taxa. Seu pagamento é exatamente proporcional a seu ganho. Na realidade, é apenas uma parte desse ganho que ela é obrigada a entregar, para obter o resto. Parece impossível imaginar método mais justo de cobrar uma taxa.

Quando o pedágio imposto a veículo de luxo — coches, carruagens de posta etc. — é um pouco mais elevado, em proporção ao seu peso, do que o pedágio cobrado de veículos de uso necessário — tais como carroças, carretas etc. — faz-se com que a indolência e a vaidade dos ricos contribua de maneira muito fácil para aliviar os pobres, barateando o transporte de mercadorias pesadas a todas as partes do país.

Quando, pois, as estradas de rodagem, pontes, canais etc. são construídos e mantidos pelo comércio que se efetuam através dessas obras, estas só podem ser executadas onde o comércio as exigir, e portanto, onde for indicado construí-las. Também os gastos com tais obras, sua imponência e magnificência devem ser adequados àquilo que o comércio é capaz de pagar. Portanto, elas devem ser construídas da maneira mais conveniente. Não se pode construir uma estrada majestosa em uma região deserta, onde há pouco ou nenhum comércio, ou simplesmente porque ela eventualmente conduz à vila de campo do intendente da província, ou à de algum grande senhor a quem o intendente considera conveniente agradar. Não se pode construir uma grande ponte sobre um rio em local por onde ninguém passa, ou simplesmente para embelezar a vista que se estende através das janelas de um palácio vizinho; coisas deste gênero acontecem, às vezes, em países em que tais obras são executadas com rendas outras e não com as que esses próprios países têm condições de produzir.

Em diversas regiões da Europa, o pedágio a ser pago em um canal é propriedade de pessoas privadas, cujo interesse particular as obriga a manter o canal. Se ele não é mantido de maneira aceitável, a navegação cessa totalmente e com isto todo lucro que as referidas pessoas têm condições de auferir dos pedágios. Se estes fossem administrados por comissários que não tivessem pessoalmente nenhum interesse neles, poderiam ser menos cuidadosos com a manutenção das obras geradoras dessas taxas. O canal de Languedoc custou ao rei da França e à província mais de 13 milhões de libras francesas, que (a 28 libras francesas por marco de prata, valor da moeda francesa no final do século passado) equivalem a mais de 900 mil libras esterlinas. Ao término dessa obra, considerou-se que o método mais provável de mantê-la constantemente em bom estado era dar de presente as taxas de pedágio ao engenheiro Riquet, que havia planejado e dirigido a construção. Atualmente, esses pedágios constituem uma enorme propriedade dos diversos ramos da família de Riquet, os quais, portanto, têm grande interesse em manter a obra constantemente em boas condições. Se, porém, a administração desses pedágios tivesse sido confiada a comissários que não tinham tal interesse, eles talvez poderiam ter sido dissipados em despesas com fins ornamentais e supérfluos, levando à ruína as partes essenciais da obra.

Não se pode, com qualquer grau de segurança, deixar as taxas de pedágio para a manutenção de uma estrada à disposição de particulares. Uma estrada de rodagem, mesmo que totalmente negligenciada, não se torna inteiramente intransitável, como acontece com um canal. Por isso, os responsáveis pelas taxas de pedágio de uma estrada poderiam negligenciar totalmente a manutenção da mesma, continuando, apesar disso, a cobrar quase os mesmos pedágios. O mais aconselhável portanto é colocar os pedágios para a manutenção de tais obras sob a administração de comissários ou encarregados.

Na Grã-Bretanha, em muitos casos se têm levado queixas muito justas contra os abusos cometidos pelos encarregados na administração desses pedágios. Tem-se afirmado que em muitos postos de pedágios o dinheiro recolhido representa mais que o dobro do necessário para a execução mais perfeita do trabalho, o qual, no entanto, muitas vezes é executado de modo mais displicente possível e freqüentemente nem chega a ser executado. Cumpre observar que não é muito durável o sistema de reparar as rodovias com taxas de pedágio desse tipo. Não devemos nos surpreender, assim, se ele ainda não tenha atingido o grau de perfeição de que parece ser capaz. Se com freqüência se nomeiam como curadores pessoas medíocres e inaptas, e se ainda não se criaram tribunais adequados para inspecionar e controlar sua conduta e para reduzir as taxas de pedágio ao estritamente necessário às obras a serem por eles executadas, a data recente dessa instituição responde por essas deficiências e constitui uma escusa; a maior parte dessas faltas pode ser gradualmente sanada, em tempo oportuno, pela sabedoria do Parlamento.

Supõe-se que o dinheiro recolhido nos diversos postos de pedágio da Grã-Bretanha supera tanto o necessário para consertar as estradas que as economias que disso se poderiam auferir com uma boa administração têm sido consideradas, mesmo por alguns ministros, como um recurso valiosíssimo que um dia poderia ser aplicado para atender às necessidades do Estado. Tem-se afirmado que o Governo, assumindo ele mesmo a administração dos postos de pedágio, e empregando soldados — que trabalhariam com um adicional mínimo acrescido a seu solo —, poderia manter as estradas em bom estado com um custo muito menor do que o podem fazer os curadores, que não dispõem de outros operários senão daqueles cuja subsistência depende integralmente de seus salários. Dessa forma, tem-se afirmado, poder-se-ia obter uma grande receita, talvez ! meio milhão, sem impor nenhum novo ônus à população; e desta maneira se poderia fazer com que os postos de pedágio contribuíssem para cobrir os gastos gerais do Estado, da mesma forma como acontece atualmente com os serviços postais.

Não tenho dúvida alguma de que deste modo se poderia obter uma receita considerável, ainda que não tanto têm suposto os autores desse plano. Ocorre, porém, que o plano, como tal, parece merecer várias objeções muito sérias.

Primeiramente, se as taxas de pedágio cobradas nos postos fossem  um dia consideradas como um dos recursos para atender às necessidades do Estado, certamente seriam aumentadas na medida em que se julgasse necessário para atender a tais urgências. Por isso, de acordo com a política da Grã-Bretanha, provavelmente seriam aumentadas muito rapidamente. A facilidade com que disso se pode auferir uma grande receita provavelmente estimularia a administração a lançar mão desse recurso com muita freqüência. Embora talvez se possa duvidar bastante de que se pudesse economizar meio milhão das atuais taxas de pedágio, com certa parcimônia, dificilmente se poderia duvidar de que seria possível poupar um milhão, se essas taxas fossem dobradas; e, talvez, dois milhões se fossem triplicadas. Além disso, essa elevada receita poderia ser recolhida sem nomear um único oficial a mais para recebê-la. Todavia, com o aumento contínuo das taxas de pedágio, em vez de facilitarem o comércio interno do país, como ocorre atualmente, elas logo se transformariam em enorme obstáculo para ele. As despesas de transporte de todas as mercadorias pesadas de uma parte do país para outra logo subiriam tanto e, conseqüentemente, se reduziria a tal ponto o mercado para todas essas mercadorias, que se desestimularia notavelmente sua produção, aniquilando-se totalmente os mais importantes setores da atividade interna.

Em segundo lugar, uma taxa de transportes proporcional ao peso dos veículos, embora seja uma taxa muito justa quando aplicada somente com o único fim de reparar as estradas, é muito injusta quando aplicada para qualquer outra finalidade ou para atender às exigências normais do Estado. Quando a taxa é aplicada exclusivamente no mencionado fim, supõe-se que cada veículo pague exatamente o desgaste por ele produzido nas estradas. Quando, porém, ela é empregada para servir a qualquer outro objetivo, cada veículo paga supostamente mais do que o desgaste causado, contribuindo para atender a alguma outra necessidade do Estado. Entretanto, uma vez que a taxa de pedágio aumenta o preço das mercadorias em proporção a seu peso, e não em proporção a seu valor, ela é paga sobretudo pelos consumidores de mercadorias brutas e volumosas, e não pelos consumidores de mercadorias preciosas e leves. Qualquer que seja portanto a necessidade do Estado que se tencione atender com a referida taxa, tal necessidade seria atendida sobretudo à custa dos pobres e não dos ricos; por conseguinte, à custa daqueles que são menos capazes de pagá-las, e não daqueles que têm mais condições de fazê-lo.

Em terceiro lugar, se o Governo, algum dia, negligenciar a reparação das estradas públicas, seria ainda mais difícil do que atualmente exigir a aplicação adequada de qualquer parcela das taxas de pedágio. Poder-se-ia assim recolher da população uma grande receita, sem que parcela alguma da mesma fosse aplicada na única finalidade em que se deve empregar uma renda assim recolhida. Se a deficiência e a pobreza dos encarregados dos postos de pedágio fazem com que atualmente seja difícil, às vezes, obrigá-los, a reparar seus erros, suas abastança e capacidade fariam com que isto fosse dez vezes mais difícil no caso aqui suposto.

Na França, os fundos destinados à reparação das estradas principais estão sob o controle direto do poder executivo. Esses fundos consistem, em parte, em certo número de dias de trabalho que os camponeses, na maior parte da Europa, são obrigados a doar para a reparação das estradas principais e uma parcela da receita geral do Estado que o rei quiser poupar de suas outras despesas.

Pela antiga legislação francesa, bem como pela da maioria dos outros países europeus, o trabalho dos camponeses estava sob o controle de uma magistratura local ou provincial, que não tinha nenhuma dependência direta em relação ao Conselho real. Pela prática atual, porém, tanto o trabalho dos camponeses como qualquer outro fundo que o rei quiser destinar à reparação das estradas em qualquer província específica ou em geral, estão totalmente sob o controle do intendente oficial, que é nomeado e demitido pelo Conselho real e que dele recebe ordens e com ele mantém correspondências constantes. Com o aumento do despotismo, a autoridade do poder executivo gradualmente absorve a de todos os outros poderes existentes no Estado, passando a assumir a administração de toda receita destinada a qualquer finalidade pública. Na França, porém, as grandes estradas de posta, estradas que possibilitam a comunicação entre as principais cidades do reino, são em geral mantidas em bom estado e em algumas províncias até bem melhor do que a maior parte das estradas com postos de pedágio da Inglaterra. No entanto, as assim chamadas estradas transversais, a grande maioria das estradas do país, são totalmente negligenciadas, sendo em alguns lugares absolutamente intransitáveis para qualquer veículo pesado. Em alguns lugares é até perigoso viajar a cavalo, e mulas são o único meio de transporte em que se pode confiar com segurança. O orgulhoso ministro de uma portentosa corte muitas vezes pode comprazer-se em executar uma obra esplêndida e magnífica, como uma grande estrada, que com freqüência é apreciada pela alta nobreza, cujos aplausos não somente lisonjeiam a vaidade dele, como também contribuem para reforçar sua influência na corte. Executar, porém, um grande número de obras pequenas, nas quais nada do que se possa fazer garante maior prestígio nem suscita o mínimo grau de admiração em nenhum viajante, e que, em suma, não têm nenhum título de recomendação a não ser sua extrema utilidade, eis um negócio sob todos os aspectos excessivamente mesquinho e indigno de merecer a atenção de um magistrado de tão alta posição. Com tal administração, tais obras tão pequenas são quase sempre totalmente negligenciadas.

Na China, bem como em várias outras províncias da Ásia, o poder executivo se encarrega tanto da reparação das estradas principais como da manutenção dos canais navegáveis. Segundo se afirma, nas instruções dadas ao governador de cada província esses objetivos lhe são constantemente encarecidos, sendo que o julgamento que a corte faz da conduta dele depende muitíssimo do cuidado que ele tiver demonstrado no atendimento dessa parte das instruções. Pelo que se diz, esse setor da política pública é muito bem atendido em todas essas regiões, sobretudo na China, onde as estradas principais e, mais ainda, os canais navegáveis, ultrapassam de muito tudo o que se conhece de similar na Europa. Contudo, os relatos sobre essas obras, que têm chegado à Europa, geralmente são feitos por viajantes imprecisos e facilmente impressionáveis, muitas vezes por missionários estultos e mentirosos. Se as obras tivessem sido examinadas por observadores mais inteligentes, e se os relatos tivessem sido feitos por testemunhas mais dignas de fé, talvez não pareceriam tão maravilhosas. O relato de Bernier sobre algumas obras deste tipo no Hindustão fica muitíssimo aquém daquilo que tem sido dito sobre elas por outros viajantes mais propensos ao maravilhoso do que Bernier. Também nesses países talvez possa acontecer o que ocorre na França, onde as grandes estradas, as grandes vias de comunicação que têm probabilidade de constituir assunto de conversa na corte e na capital são bem cuidadas, e todo o resto negligenciado. Além disso, na China, no Hindustão e em várias outras regiões da Ásia, o rendimento do soberano provém quase inteiramente de um tributo ou renda de terras, que aumenta ou diminui conforme cresce ou declina a produção anual da terra. Em tais países, portanto, o grande interesse do soberano, seu rendimento, está necessária e diretamente associado ao cultivo da terra, ao volume e ao valor da produção da mesma. Ora, para aumentar ao máximo o volume e o valor dessa produção, é necessário proporcionar-lhe um mercado o mais amplo possível e, conseqüentemente, criar a comunicação mais livre, mais fácil e mais barata possível entre todas as diversas regiões do país; e isso só pode ser feito através de melhores estradas e de melhores canais navegáveis. Mas, a receita do soberano, em parte alguma da Europa provém principalmente de um tributo ou de uma renda da terra. Em todos os grandes reinos da Europa, talvez, a maior parte dessa receita depende, em última análise, da produção da terra, mas essa dependência não é nem tão imediata nem tão evidente. Na Europa, portanto, o soberano são se sente tão diretamente estimulado a promover o aumento da produção de terra, tanto em volume como em valor, nem a proporcionar o maior mercado possível para tal produção, mantendo boas estradas e canais. Por conseguinte, ainda que fosse verdade — quanto a isso, segundo entendo, não se cabe a mínima dúvida — que em algumas regiões da Ásia esse setor da política pública seja muito bem administrado pelo poder executivo, não há a mínima probabilidade de que, enquanto durar o atual estado de coisas, esse poder tenha condições de administrá-lo de maneira aceitável em qualquer parte da Europa.

Mesmo as obras públicas que, por sua natureza, não têm condições de gerar renda para sua própria manutenção, mas cuja conveniência está mais ou menso restrita a algum lugar ou distrito em particular, sempre são mais bem mantidas com uma receita local ou provincial, sob a direção de uma administração local e provincial, do que com a receita geral do Estado, cuja administração sempre deve caber ao poder executivo. Se porventura as ruas de Londres tivessem que ser iluminadas e pavimentadas à custa do Tesouro, haveria alguma probabilidade de serem tão bem iluminadas e pavimentadas como atualmente, ou mesmo a um custo tão baixo? Além disso, a despesa necessária para isto, em vez de ser coberta por um tributo local sobre os habitantes de cada rua, paróquia ou distrito de Londres, neste caso seria custeada pela receita geral do Estado e, conseqüentemente, coberta por um tributo imposto a todos os habitantes do reino, cuja grande maioria não aufere nenhum benefício da iluminação e da pavimentação das ruas de Londres. Os abusos que às vezes se introduzem furtivamente na administração local e provincial de uma receita local e provincial, por maiores que possam parecer, na realidade são quase sempre muito insignificantes, em confronto com os que costumam existir na administração e no dispêndio da receita de um grande império. Ademais, esses abusos são corrigidos com muito mais facilidade. Sob a administração local ou provincial dos juízes de paz na Grã-Bretanha, os seis dias em que os camponeses são obrigados a trabalhar para a reparação das estradas talvez nem sempre sejam aplicados com muita sensatez, mas raramente são cobrados com algum resquício de crueldade ou pressão. Na França, sob a administração dos intendentes, a aplicação nem sempre é mais sensata, e a cobrança, muitas vezes, é extremamente cruel e opressiva. Essas corvéias, como são designadas, representam um dos principais instrumentos de tirania com os quais esses oficiais castigam toda paróquia ou comunidade que tenha tido a infelicidade de cair no seu desagrado. 

As obras e as instituições públicas necessárias para facilitar determinados setores do comércio. 

O objetivo das obras e das instituições públicas que acabei de mencionar é facilitar o comércio em geral. Entretanto, para agilizar certos setores específicos do mesmo, impõem-se instituições específicas, que também exigem um gasto especial extraordinário.

Certos setores particulares do comércio, em que se transaciona com nações bárbaras e incivilizadas, exigem uma proteção extraordinária. Um depósito ou escritório de contabilidade comum pouca segurança poderia oferecer às mercadorias dos comerciantes que transacionam com a costa ocidental da África. Para defendê-los dos nativos bárbaros, é necessário fortificar, em certa medida, o local onde as mercadorias são depositadas. Supostamente, foram os distúrbios no governo do Hindustão que tornaram necessária uma precaução similar mesmo entre essa população dócil e pacata; e foi sob a alegação de dar segurança a essas pessoas e a suas propriedades contra a violência, que tanto a Companhia das Índias Orientais da Inglaterra como a da França obtiveram permissão para erigir as primeiras fortificações que possuíam naquele país. Em outras nações, cujo governo forte não admite que estrangeiros possuam qualquer local fortificado dentro de seu território, pode ser necessário manter um embaixador, ministro ou cônsul, que possa resolver, segundo seus próprios costumes, as divergências que surgirem entre seus próprios patrícios; e que, nas suas disputas com os nativos possam, recorrendo às prerrogativas de seu caráter público, interferir com mais autoridade, assegurando-lhes proteção mais forte do que a que poderiam esperar de uma pessoa privada. Os interesses do comércio muitas vezes têm criado a necessidade de manter ministros em países estrangeiros onde os objetivos da guerra ou da aliança não os exigiriam. O comércio da Companhia da Turquia foi o primeiro a levar à criação de um embaixador ordinário em Constantinopla. As primeiras embaixadas inglesas na Rússia foram exclusivamente conseqüência de interesses comerciais. A constante interferência nesses interesses inevitavelmente provocada entre os súditos por diversos Estados da Europa, provavelmente criou o hábito de manter, em todos os países vizinhos, embaixadores ou ministros com residência constante no país, mesmo em tempo de paz. Este costume desconhecido em tempos antigos parece não remontar além do fim do século XV ou do começo do século XVI, isto é, à época em que o comércio começou a estender-se à maior parte das nações européias, e quando estas começaram a atender aos interesse desse comércio.

Parece razoável que a despesa extraordinária exigida pela proteção de algum setor específico de comércio fosse coberta por um tributo moderado incidente sobre o respectivo setor; por exemplo, mediante um tributo moderado a ser pago pelos comerciantes quando começam a praticar tal comércio ou, o que é mais justo, mediante um tributo específico, de tantos por cento, incidente sobre as mercadorias que importam dos países específicos com os quais se mantêm esse comércio, ou que para eles exportam. Segundo se afirma, foi a proteção do comércio em geral contra piratas e flibusteiros que levou à primeira instituição das taxas aduaneiras. Mas, se foi considerado razoável impor uma taxa geral para cobrir as despesas de exportação ao comércio em geral, seria, da mesma forma, igualmente razoável impor uma taxa específica a um determinado setor do comércio, a fim de cobrir a despesa extraordinária para proteger esse ramo.

A proteção ao comércio em geral sempre foi considerada essencial para a defesa do Estado e, por esse motivo, um elemento necessário dos deveres do poder executivo. Por isso, o recolhimento e a aplicação das taxas aduaneiras gerais sempre couberam àquele poder. Ora, a proteção de qualquer setor específico do comércio faz parte da proteção geral devida ao comércio e, portanto, é um dever inerente ao poder executivo; e, se as nações sempre agissem coerentemente, as taxas específicas recolhidas para os fins dessa proteção também deveriam ser sempre colocadas à disposição desse poder. Todavia, sob esse aspecto, como aliás sob muitos outros, nem sempre as nações têm sido coerentes em sua ação; na maior parte dos países comerciais da Europa, determinadas companhias de comerciantes têm procurado persuadir os legisladores a confiarem a elas o cumprimento desse dever do soberano, juntamente com todos os poderes necessariamente a ele vinculados.

Essas companhias, conquanto talvez possam ter sido úteis para o primeiro estabelecimento de alguns setores comerciais, fazendo às suas próprias custas uma experiência que o Estado poderia não considerar prudente tentar, a longo prazo provaram ser, em toda parte, opressivas ou inúteis, tendo administrado mal ou restringido o comércio. Quando essas companhias não operam com um capital acionário mas são obrigadas a admitir qualquer pessoa devidamente qualificada, desde que pague determinada taxa e concorde em submeter-se aos regulamentos da companhia, com cada membro operando às próprias custas a assumindo seus próprios riscos, denominam-se companhias regulamentadas. Quando operam com base em um capital acionário, com cada membro participando do lucro e das perdas comuns proporcionalmente à sua participação no capital acionário, são designadas companhias de capital acionário. Tanto as companhias regulamentadas como as companhias de capital acionário, às vezes gozam de privilégios exclusivos, outras vezes não. As companhias regulamentadas assemelham-se em tudo às corporações de ofícios. tão comuns nas metrópoles e cidades menores de todos os países europeus, constituindo uma espécie de monopólios ampliados do mesmo tipo. Assim como habitante de uma cidade pode exercer um ofício corporativo sem antes obter sua licença da corporação, da mesma forma, na maioria dos casos, nenhum súdito do Estado pode legalmente exercer qualquer ramo de comércio externo para o qual exista uma companhia regulamentada, sem antes tornar-se membro dessa companhia. O monopólio é mais ou menos rigoroso, conforme as condições de admissão forem mais ou menos rigorosas e na medida em que os diretores da companhia tiverem maior ou menor autoridade ou conforme o grau maior ou menor de poder com que puderem administrar de maneira a restringir a maior parte do comércio a si mesmos e a seus amigos particulares. Nas companhias regulamentadas mais antigas, os privilégios de aprendizagem eram os mesmos que em outras corporações, dando à pessoa que tivesse servido durante certo tempo o direito de tornar-se membro da companhia, seja sem pagar nada, seja pagando uma taxa de valor muito inferior à que se exigia de outras pessoas. O habitual espírito de corporação, sempre que a lei não o coibir, prevalece em todas as companhias regulamentadas. Uma vez que se lhes permitiu agir em conformidade com suas inclinações naturais, elas sempre tentaram impor ao comércio muitos regulamentos opressivos, visando a limitar a concorrência ao menor número possível de pessoas. Quando a lei as impediu de agir desta forma, tornaram-se totalmente inúteis e destituídas de significado.

As companhias regulamentadas para o comércio exterior que atualmente subsistem na Grã-Bretanha são: a antiga companhia de comerciantes aventureiros — atualmente conhecida sob o nome de Companhia de Hamburgo —, a Companhia da Rússia, a Companhia do Oriente, a Companhia da Turquia e a Companhia Africana.

Pelo que se diz, as condições de admissão na Companhia de Hamburgo são facílimas; quanto a seus diretores, eles não têm poderes para impor restrições ou regulamentos opressivos ao comércio, ou, pelo menos, ultimamente não os têm exercido. No passado nem sempre foi assim. Em meados do século passado, a taxa para admissão era de 50 libras esterlinas chegando a 100, e se afirmava que a conduta da Companhia era extremamente opressiva. Em 1643, 1645 e 1661, os fabricantes de roupas feitas e os comerciantes autônomos do oeste da Inglaterra apresentaram ao Parlamento queixas contra ela, alegando que se comportava como monopolista, restringindo o comércio e oprimindo os manufatores do país. Muito embora essas queixas não tivessem provocado nenhuma lei do Parlamento, provavelmente eles conseguiram intimidar a Companhia a ponto de obrigá-las a mudar de conduta. Desde essa época, pelos menos, não tem havido mais queixas contra ela. Pelos Estatutos 10 e 11, capítulo 6, de Guilherme III, as taxas para admissão na Companhia Russa foram limitadas a 5 libras; e o Estatuto 25, capítulo 7, de Carlos II, limitou as taxas para admissão na Companhia do Oriente a 40 xelins; ao mesmo tempo, foram excluídas do âmbito exclusivo deles a Suécia, a Dinamarca e a Noruega, todas as regiões da margem norte do mar Báltico. Foi provavelmente a conduta dessas companhias que deu origem a essas duas leis do Parlamento. Antes dessa época, Sir Josiah Child havia descrito essas companhias, juntamente com a companhia de Hamburgo, como extremamente opressivas, atribuindo à sua má administração o baixo nível do comércio que na época mantínhamos com os países enquadrados no âmbito exclusivo dessas companhias. Contudo, ainda que atualmente elas possam não ser muito opressivas, na verdade são totalmente inú- teis. Aliás, chamá-las simplesmente de inúteis, de fato, é talvez o maior elogio que, com justiça, se possa fazer a uma companhia regulamentada; e, as três companhias que acabei de mencionar, ao que parece, merecem esse elogio, no estado em que se encontram hoje.

As taxas para admissão na Companhia da Turquia eram anteriormente de 25 libras para todas as pessoas de menos de 26 anos de idade, e de 50 libras para todas as acima dessa idade. Só se permitia a entrada de comerciantes no sentido rigoroso da palavra, restrição que excluía todos os lojistas e varejistas. Em virtude de uma lei secundária, ou de regimento interno, não poderia ser exportado para a Turquia nenhum produto manufaturado, a não ser em navios da Companhia; e já que esses navios zarpavam sempre do porto de Londres, essa restrição limitava o comércio a esse dispendioso porto e, quanto aos comerciantes, apenas aos que viviam em Londres e proximidades. Por outro regimento interno, não se podia admitir como membro nenhuma pessoa que, embora morando num raio de 20 milhas de Londres, não fosse cidadão londrino — outra restrição que, associada à anterior, excluía todos os que não fossem cidadãos londrinos. Já que o tempo de carga e navegação desses navios dependia inteiramente dos diretores, eles podiam facilmente carregar suas próprias mercadorias e as de seus amigos particulares, excluindo outros, sob o pretexto de que haviam entregue suas propostas muito tarde. Em tais circunstâncias, portanto, essa companhia constituía, sob todos os aspectos, um monopólio rigoroso e opressivo. Tais abusos deram origem ao Estatuto 26, capítulo 18, de Jorge II, que reduziu as taxas para admissão a 20 libras para qualquer pessoa, sem distinção de idade e sem nenhuma limitação à categoria de comerciantes propriamente ditos ou a cidadãos londrinos; o Estatuto garantia também a todos os membros a liberdade de exportar, de qualquer porto da Grã-Bretanha para qualquer porto da Turquia, todas as mercadorias britânicas cuja exportação não fosse proibida, e de importar de lá qualquer mercadoria turca cuja importação não fosse proibida, pagando tanto as taxas alfandegárias gerais como as taxas particulares avaliadas para cobrir as despesas necessárias da companhia, e submetendo-se, além disso, à autoridade legal do embaixador e dos cônsules britânicos residentes na Turquia, bem como aos regimentos internos da companhia devidamente promulgados. Para evitar toda opressão em virtude desses regimentos internos o mesmo Estatuto prescreveu que, se qualquer grupo de sete membros da companhia se considerasse lesado por qualquer regimento interno promulgado depois da aprovação do Estatuto, tinha o direito de apelar à Câmara do Comércio e das Colônias (à qual sucedeu agora um comitê do Conselho privado), desde que tal apelação fosse feita dentro de doze meses depois da promulgação do respectivo regimento interno da companhia; decretava-se também que, se qualquer grupo de sete membros da companhia se considerasse lesado por qualquer regimento interno promulgado pela companhia antes da promulgação do Estatuto, poderia apelar da mesma forma, desde que fosse dentro de doze meses a partir do dia da entrada em vigor do Estatuto. Todavia, possivelmente a experiência de um ano nem sempre era suficiente para revelar a todos os membros de uma grande companhia a tendência perniciosa de um determinado regimento interno; se vários deles descobriram o fato posteriormente, nem a Câmara do Comércio nem o comitê do Conselho têm condições de garantir-lhes alguma indenização. Além disso, o objetivo da maior parte dos regimentos internos de todas as companhias regulamentadas, bem como de todas as demais corporações, consiste não tanto em oprimir os que já são membros delas, mas em desestimular outros a se incorporarem como membros; isso pode ser feito não somente impondo taxas de alto valor, mas também por muitos outros meios. O objetivo permanente de tais companhias é sempre aumentar ao máximo possível a taxa de seu próprio lucro e manter o mercado, tanto das mercadorias que exportam como das que importam, o mais subabastecido possível — o que só se consegue limitando a concorrência ou desestimulando novos aventureiros a entrarem no comércio. Além disso, as taxas, mesmo que não passem de 20 libras, conquanto talvez não sejam suficientes para desestimular ninguém a entrar no comércio com a Turquia, com a intenção de continuar nele, podem bastar para desencorajar um comerciante especulador de aventurar-se, ainda que só uma vez, nesse comércio. Em todos os tipos de atividade, os comerciantes regularmente estabelecidos, mesmo que não façam parte de uma corporação, espontaneamente se associam para aumentar seus lucros, os quais não são suscetíveis de ser mantidos durante todo o tempo abaixo de seu próprio nível, como acontece no caso de concorrência ocasional de aventureiros especuladores. O comércio com a Turquia, embora até certo ponto esteja aberto a todos em virtude dessa lei do Parlamento, no entender de muitos continua bem longe de constituir um comércio totalmente livre. A Companhia da Turquia contribui para manter um embaixador e dois ou três cônsules, os quais, como outros ministros públicos devem ser inteiramente mantidos pelo Estado, e o comércio conservado aberto a todos os súditos de Sua Majestade. As diversas taxas recolhidas pela Companhia para esse e outros objetivos de uma corporação poderiam gerar uma renda muito mais do que suficiente para permitir ao Estado manter tais servidores públicos.

Conforme observou Sir Josiah Child, embora as companhias regulamentadas muitas vezes tenham mantido servidores públicos, jamais mantiveram alguma fortificação ou guarnição nos países com os quais mantinham comércio, ao passo que as companhias de capital acionário o têm feito com freqüência. Na realidade, as primeiras parecem ter muito menos condições do que estas últimas para prestar esse tipo de serviço. Primeiramente, os diretores de uma companhia regulamentada não têm nenhum interesse particular na prosperidade do comércio geral da companhia, em função do qual se mantêm tais fortificações e guarnições. Muitas vezes o declínio desse comércio geral pode até contribuir para a vantagem de seu próprio comércio privado já que, diminuindo o número de seus concorrentes, esse declínio pode possibilitar-lhes comprar mais barato e vender mais caro. Ao contrário, os diretores de uma companhia de capital acionário, com participação apenas nos lucros auferidos do capital comum entregue à sua administração, não têm nenhum comércio privado próprio, cujo interesse possa ser alheio ao interesse do comércio geral da companhia. Seu interesse particular está vinculado à prosperidade do comércio geral da companhia, bem como à manutenção das fortificações e guarnições necessárias para a defesa do mesmo. Por isso, com maior probabilidade terão o cuidado contínuo e atento que essa manutenção necessariamente requer. Em segundo lugar, os diretores de uma companhia de capital acionário sempre administram um grande capital, o capital acionário da companhia, do qual podem muitas vezes empregar adequadamente uma parcela para construir, reparar e manter tais fortificações e guarnições necessárias. Os diretores de uma companhia regulamentada, porém, que não administram nenhum capital comum, não dispõem, para aplicar em fortificações e guarnições, de nenhum outro fundo a não ser a eventual renda proveniente das taxas de admissão e dos direitos de corporação, impostos às operações comerciais da companhia. Portanto, mesmo que tivesse o mesmo interesse em atender à manutenção de tais fortificações e guarnições, raramente podem dispor dos mesmos meios para fazê-lo com eficácia. A manutenção de um servidor público, um vez que dificilmente exige atenção, mas apenas uma despesa moderada e limitada, é um negócio muito mais condizente com a característica e as capacidades de uma companhia regulamentada.

No entanto, bem depois do tempo de Sir Josiah Child, em 1750, criou-se uma companhia regulamentada, a atual companhia de comerciantes que transacionam com a África, expressamente encarregada, primeiro da manutenção de todas as fortificações e guarnições britâ- nicas localizadas entre o cabo Branco e o cabo da Boa Esperança e depois somente das localizadas entre o cabo Vermelho e o cabo da Boa Esperança. A lei que cria esta companhia (Estatuto 23, capítulo 31, de Jorge II) parece ter tido em vista dois objetivos diferentes: primeiro, coibir com eficácia o espírito opressor e monopolizador natural aos diretores de uma companhia regulamentada; segundo, forçá-los, na medida do possível, a dispensarem atenção — o que não lhes é natural — à manutenção de fortificações e guarnições.

Em função do primeiro objetivo, as taxas de admissão estão limitadas a 40 xelins. A companhia está proibida de comercializar como corporação ou com um capital acionário, de tomar empréstimos em dinheiro sobre selo comum ou de impor quaisquer restrições ao comércio que pode ser efetuado livremente de todos os lugares e por todos os cidadãos britânicos que pagam as taxas. A administração é composta de um comitê de nove pessoas que se reúnem em Londres, mas que são anualmente escolhidas pelos membros da companhia que forem cidadãos de Londres, Bristol e Liverpool, três de cada cidade. Nenhum membro do comitê de diretores pode continuar em suas funções por mais de três anos consecutivos. Qualquer membro do comitê podia ser removido pela Câmara do Comércio e das Colônias; atualmente só por um comitê do Conselho, após ser ouvida sua defesa. Proíbe-se ao comitê de diretores de exportar negros da África ou importar quaisquer mercadorias africanas para a Grã-Bretanha. Todavia, como são encarregados da manutenção de fortificações e guarnições, podem, para esse fim, exportar da Grã-Bretanha para a África mercadorias e suprimentos de diversos gêneros. Com o dinheiro que receberem da companhia, podem despender uma soma que não vá além de 800 libras para os salários de seus empregados e agentes em Londres, Bristol e Liverpool, para o aluguel de seu escritório em Londres e para todas as demais despesas de administração, comissões e agenciamento na Inglaterra. O que restar dessa soma, deduzidas essas diversas despesas, pode ser dividido entre eles, da forma que considerarem adequada, como compensação pelo seu trabalho. Com essa constituição, poder-se-ia esperar coibir eficazmente o espírito de monopólio, cumprindo-se a contento o primeiro objetivo. Parece, porém, que isso não ocorreu. Embora, pelo Estatuto 4, capítulo 20, de Jorge III, a fortificação do Senegal, com todas as suas dependências, tenha sido confiada a essa companhia, já no ano seguinte (por força do Estatuto 5, capítulo 44, de Jorge III), excluíram-se de sua jurisdição não somente o Senegal e suas dependências, como também toda a costa desde o porto de Sallel, na Barbaria meridional até o cabo Vermelho foi confiada à Coroa, declarando-se o comércio com esses territórios aberto a todos os súditos de Sua Majestade. Surgira a suspeita de que a companhia havia restringido o comércio e criado determinado tipo de monopólio indevido. Não é muito fácil imaginar como ela possa ter feito isso, com os regulamentos do Estatuto 23 de Jorge II. Contudo, nos debates impressos da Câmara dos Comuns — que nem sempre representam os registros mais autênticos da verdade — observo que a Companhia foi acusada desses abusos. Sendo todos os comerciantes membros do Comitê dos Nove, e dependentes deles os governadores e supervisores de suas diversas fortificações e fundações, não é improvável que estes tenham dispensado atenção especial às consignações e comissões dos diretores, o que criaria um monopólio efetivo.

Para a consecução do segundo dos mencionados objetivos a manutenção das fortificações e guarnições, o Parlamento concedeu à companhia uma soma anual, geralmente em torno de 13 mil libras. Pela aplicação adequada dessa soma o comitê de diretores está obrigado a uma prestação de contas anual ao Barão Diretor do Tesouro, prestação depois submetida ao Parlamento. Todavia, o Parlamento, que tão pouca atenção dispensa à aplicação de milhões, pouca probabilidade tem de dispensar muita atenção à aplicação de 13 mil libras anuais; por sua vez, o Barão Diretor do Tesouro, pela sua profissão e formação, pouca probabilidade tem de ser particularmente versado em matéria de gastos com fortificações e guarnições. Sem dúvida, os capitães de esquadra de Sua Majestade ou quaisquer outros oficiais de patente, nomeados pelo Ministério da Marinha. podem inspecionar as condições das fortificações e guarnições e levar suas observações àquele Ministério. Todavia, este não parece ter nenhuma jurisdição direta sobre o comitê, nem dispor de nenhuma autoridade para corrigir a conduta daqueles que estão sob observação; além disso, não é de supor que os capitães de esquadra de Sua Majestade sejam sempre muito versados na ciência das fortificações. A remoção do cargo — que só pode ser ocupado durante três anos, e cujos anos emolumentos legais, mesmo durante esse prazo, são reduzidíssimos — parece constituir a punição máxima de que é passível um membro do comitê de direção, qualquer que seja a infração cometida, excetuados os casos de malversação direta ou desfalques, quer de dinheiro público, quer da companhia; ora o temor dessa punição jamais pode constituir motivo suficiente para forçar uma dedicação contínua e cuidadosa a uma atividade à qual o responsável não tem nenhum outro interesse em dedicar-se. O comitê é acusado de ter enviado tijolos e pedras da Inglaterra para reparar o forte do cabo Coast, na costa da Guiné, obra para a qual o Parlamento várias vezes havia concedido uma soma extraordinária em dinheiro. Além disso, afirmou-se que também esses tijolos e pedras, embarcados para uma viagem extremamente longa, eram de qualidade tão precária que foi necessário reconstruir, desde os fundamentos, as paredes com eles reparadas. As fortificações e guarnições localizadas ao norte de cabo Vermelho não somente são mantidas pelo Estado, mas estão sob a administração direta do poder executivo; ora, não parece muito fácil imaginar sequer uma razão válida por que as localizadas ao sul do referido cabo devam estar sob outra administração, até mesmo porque também elas, ao menos em parte, são mantidas às expensas do Estado. A proteção do comércio no Mediterrâneo foi a finalidade original ou pretexto para as guarnições de Gibraltar e Minorca e a manutenção e administração dessas guarnições sempre foram, com muito acerto, entregues não à responsabilidade de Companhia da Turquia, mas ao poder executivo. É na extensão de seus domínios que consiste, em grande parte, o orgulho e a dignidade do poder executivo, não sendo muito provável que ele deixe de dispensar atenção às providências necessárias para defender tal domínio. Por isto, as guarnições de Gibraltar e Minorca jamais foram negligenciadas; muito embora Minorca já tenha sido ocupada duas vezes e hoje esteja provavelmente perdida para sempre, esse desastre nunca foi sequer atribuído a alguma negligência por parte do poder executivo. Não gostaria, porém, de ser entendido no sentido de estar insinuando que uma ou outra dessas dispendiosas guarnições jamais tenha sido minimamente necessária para o fim em razão do qual elas foram originalmente desmembradas da monarquia espanhola. Talvez esse desmembramento nunca tenha servido a outro propósito real, senão para afastar a Inglaterra de seu aliado natural, o rei da Espanha, e para unir os dois ramos principais da Casa dos Bourbons em uma aliança muito mais íntima e permanente do que jamais poderia ter ocorrido em decorrência da consangüinidade.

As companhias de capital acionário criadas ou por carta régia ou por lei do Parlamento, diferem, sob vários aspectos, tanto das companhias regulamentadas como das associações privadas.

Primeiramente, em uma associação privada, nenhum sócio pode, sem o consentimento da companhia, transferir sua parte a outra pessoa ou levar para ela algum novo sócio. Contudo, cada sócio pode, após prévio aviso à companhia, retirar-se dela e exigir-lhe o pagamento de sua parte no capital comum. Ao contrário, em uma companhia de capital acionário, nenhum membro pode exigir da companhia pagamento de sua parte; cada um pode, porém, sem o consentimento dela, transferir sua parte a outra pessoa, que, assim, se tornaria um novo sócio. O valor de uma ação no capital acionário é sempre o preço que ela alcança no mercado; e este poder pode ser maior ou menor, em qualquer proporção, do que a soma que seu proprietário possui no capital da companhia.

Segundo, em uma associação privada, cada sócio responde pelos débitos contraídos pela associação, até o total de sua fortuna. Ao contrário, em uma companhia de capital acionário, cada sócio responde apenas na extensão da participação que tem no capital da companhia.

Os negócios de uma companhia de capital acionário sempre são administrados por um grupo de diretores. Na verdade, este muitas vezes está subordinado, sob muitos aspectos ao controle de uma assembléia geral de acionistas. Entretanto, a maioria destes raramente tem a pretensão de entender o que quer que seja dos negócios da companhia; e, quando o espírito de facção não vem eventualmente a prevalecer, eles não se preocupam com os negócios da companhia, senão que recebem satisfeitos os dividendos semestrais ou anuais, da forma que os diretores considerarem conveniente. Esta isenção total de incômodo e risco, além de se tratar de uma soma limitada, incentiva muitas pessoas, que de forma alguma arriscariam suas fortunas, em alguma associação privada, a se aventurar em companhias por ações. Em razão disto, tais companhias costumam atrair capitais muito maiores do que qualquer outra associação privada. O capital comercial da Companhia dos Mares do Sul chegou, em determinado tempo, a ascender a mais de 33,8 milhões de libras esterlinas. O capital dividido do Banco da Inglaterra monta, atualmente, a 10,780 milhões de libras. Entretanto, sendo que os diretores de tais companhias administram mais do dinheiro de outros do que o próprio, não é de esperar que dele cuidem com a mesma irrequieta vigilância com a qual os sócios de uma associação privada freqüentemente cuidam do seu. Como os administradores de um homem rico, eles têm propensão a considerar que não seria honroso para o patrão atender a pequenos detalhes, e com muitas facilidade dispensam esses pequenos cuidados. Por conseguinte, prevalecem sempre e necessariamente a negligência e o esbanjamento, em grau maior ou menor, na administração dos negócios de uma companhia. É por isso que as companhias de capital acionário para o comércio exterior raramente têm sido capazes de sustentar a concorrência contra aventureiros privados. Conseqüentemente, poucos êxitos têm obtido sem qualquer privilégio de exclusividade e, muitas vezes, nem sequer com isto têm logrado sucesso. Sem um privilégio de exclusividade, geralmente têm administrado mal o comércio. Com tal privilégio, além de administrar mal, têm limitado o comércio.

A Companhia Real Africana, predecessora da atual Companhia Africana, desfrutava por carta régia de um privilégio de exclusividade; entretanto, já que essa carta régia não foi confirmada por uma lei do Parlamento, o comércio, conseqüência da declaração dos direitos, foi aberto a todos os súditos de Sua Majestade, logo após a revolução. A Companhia da Baía de Hudson está na mesma situação que a Companhia Real Africana, quanto a seus direitos legais. A carta régia que lhe confere o privilégio não foi confirmada por uma lei do Parlamento. A Companhia dos Mares do Sul, enquanto continuou a operar como uma companhia de comércio, teve seu privilégio de exclusividade confirmado por lei do Parlamento, da mesma forma que a atual Companhia Unida dos Mercadores, que comercia com as Índias Orientais.

A Companhia Real Africana logo constatou que não tinha condições de sustentar a concorrência contra aventureiros privados, aos quais, a despeito da declaração dos direitos, ela continuou durante algum tempo a chamá-los de contrabandistas e a persegui-los como tais. Em 1698, porém, os aventureiros privados foram sujeitos a uma taxa de 10% em quase todos os setores de seu comércio, taxa esta que seria aplicada pela companhia na manutenção de suas fortificações e guarnições. Contudo, não obstante essa pesada taxa, a companhia continuou incapaz de manter a concorrência. Seu capital e crédito declinaram gradualmente. Em 1712, suas dívidas se tornaram tão grandes que se considerou necessário uma lei especial do Parlamento, para garantir tanto a segurança da companhia como a de seus credores. Decretou-se que a decisão tomada por 2/3 desses credores, em número e valor, constituiria uma obrigação aos demais, tanto em relação ao período que se daria à companhia para liquidar seus débitos, quanto em relação a qualquer outro acordo que se considerasse conveniente fazer com ela no tocante a esses débitos. Em 1730, os negócios da companhia andavam tão mal, que ela se tornou totalmente incapaz de manter suas fortificações e guarnições, única finalidade e pretexto de sua instituição. Desde aquele ano, até sua dissolução final, o Parlamento julgou necessário liberar a soma atual de 10 mil libras para esse fim. Em 1732, após ter perdido dinheiro durante muitos anos no comércio de transporte de negros para as Índias Ocidentais, a companhia finalmente resolveu abandonar totalmente esse ramo, vender aos comerciantes particulares que negociavam com a América os negros que havia comprado na costa e utilizar seus empregados no comércio de ouro em pó, dentes de elefantes, corantes etc. com o interior da África. Mas seu sucesso neste comércio mais limitado não foi maior do que no comércio anterior, mais amplo. Seus negócios continuaram a declinar gradualmente até que, por fim, caindo completamente em falência, a companhia foi dissolvida por lei do Parlamento, e suas fortificações e guarnições confiadas à atual companhia regulamentada de comerciantes que transaciona com a África. Antes da criação da Companhia Real Africana, haviam sido fundadas sucessivamente três outras companhias por ações para o comércio com aquele continente. Todas elas malograram da mesma forma. Entretanto, todas tinham cartas régias de exclusividade que, embora não confirmados por lei do Parlamento, se supunha, na época, comportarem um privilégio régio de exclusividade.

A Companhia da Baía de Hudson, antes de seus infortúnios na última guerra, tinha sido muito mais bem-sucedida do que a Companhia Real Africana. Seus gastos necessários são muito menores. O contingente total de empregados que ela mantém em seus diversos estabelecimentos e habitação, aos quais deu o honroso nome de fortificações, não ultrapassa 120 pessoas, segundo se afirma. Todavia, esse número é suficiente para preparar antecipadamente a carga de peles de animais e outras mercadorias necessárias para carregar seus navios, os quais, devido ao gelo, raramente podem permanecer mais de seis ou oito semanas naqueles mares. Essa vantagem de ter uma carga previamente preparada durante vários anos não podia ser conseguida por aventureiros durante várias semanas, e sem isso, não parece haver possibilidade de fazer comércio com a baía de Hudson. Além do mais, o modesto capital da companhia — o qual, segundo se afirma, não supera as 110 mil libras — pode ser suficiente para encampar todo ou quase todo o comércio e o excedente de produção da miserável, embora extensa, região compreendida no raio de ação da companhia. Por esta razão, nenhum aventureiro jamais tentou comercializar com essa região, concorrendo com a companhia. Conseqüentemente, essa companhia sempre desfrutou, na realidade, de um comércio exclusivo, ainda que, talvez, a lei não lhe tenha assegurado tal direito. Além de tudo isso, afirma-se que o modesto capital dessa companhia está dividido em um número muito reduzido de proprietários. Ora, uma companhia por ações, constituída de um pequeno número de proprietários, dotada de um capital reduzido, assemelha-se muitíssimo a uma associação privada, podendo gerir seus negócios com o mesmo grau de vigilância e atenção. Não há que estranhar, pois, se, em decorrência dessas diversas vantagens, a Companhia da Baía de Hudson tivesse conseguido, antes da última guerra, efetuar seu comércio com grande êxito. Entretanto, não parece provável que seus lucros jamais se tenham aproximado dos imaginados pelo falecido Sr. Dobbs. Um escritor muito mais sóbrio e criterioso, o Sr. Anderson, autor de The Historial and Chronological Deduction of Commerce, observa com muito acerto que, examinando os relatórios que o próprio Sr. Dobbs forneceu durante vários anos seguidos, sobre as exportações e importações da companhia, e deixando as devidas margens de risco e despesas extraordinárias da companhia, não parece que os lucros dela sejam invejáveis ou excedam de muito — se é que chegam a exceder — os lucros normais no comércio.

A Companhia dos Mares do Sul nunca teve fortificações nem guarnições para manter, estando portanto inteiramente isenta de uma grande despesa à qual estão sujeitas outras companhias por ações para o comércio exterior. Ela possuía, porém, um imenso capital dividido entre um número igualmente imenso de proprietários. Era, pois, natural esperar que toda a administração de seus negócios fosse dominada pela insensatez, pela negligência e pelo esbanjamento nos gastos. A velhacaria e a extravagância de seus projetos de especulação na bolsa são suficientemente conhecidas, não cabendo neste contexto explicá-las. O primeiro tipo de comércio no qual a Companhia se empenhou foi fornecer negros às Índias Ocidentais espanholas, privilégio que lhe coube em exclusividade (em decorrência do assim chamado Contrato de Asiento, a ela garantido pelo Tratado de Utrecht). Entretanto, uma vez que não era de esperar que esse tipo de comércio desse muito lucro à companhia — já que tanto as companhias portuguesas como as francesas, que antes dela haviam fruído desse privilégio, nas mesmas condições, se haviam arruinado com isso — permitiu-se-lhe, a título de compensação, enviar anualmente um navio com determinada carga para comercializar diretamente com as Índias Ocidentais espanholas. Em dez viagens que esse navio pôde fazer, segundo se afirma, a companhia conseguiu um lucro considerável apenas em uma, a do Royal Caroline em 1731, tendo sofrido perdas, maiores ou menores, em quase todas as demais viagens. Os administradores e agentes da companhia atribuíram o malogro à extorsão e à opressão por parte do Governo espanhol; mas, talvez, ele se dava sobretudo ao esbanjamento e às depredações desses próprios administradores e agentes dos quais, pelo que se afirma, adquiriram grandes fortunas no período de apenas um ano. Em 1734 a companhia solicitou ao rei autorização para desfazer-se do comércio e dos direitos de frete de seu navio anual, em razão do reduzido lucro que com ele havia conseguido, aceitando o equivalente que pudesse conseguir do rei da Espanha.

Em 1724, a companhia se havia lançado à pesca da baleia. Na realidade, ela não tinha monopólio nesse setor; todavia, enquanto se dedicou a isto, parece que nenhum outo súdito britânico exerceu tal atividade. Das oito viagens que seus navios empreenderam à Groenlândia, só lucrou em uma, perdendo em todas as demais. Depois de sua oitava e última viagem, quando já tinha vendido seus navios, estoques e utensílios, constatou que sua perda total, nesse ramo de negócio — incluindo o capital e os juros — ascendia a mais de 237 mil libras.

Em 1722, a companhia solicitara ao Parlamento permissão para dividir seu imenso capital, de mais de 33,8 milhões de libras, emprestado em sua totalidade pelo Governo, em duas partes iguais: a primeira — ou seja, mais de 16,9 milhões de libras — a ser considerada da mesma forma que outras anuidades governamentais, não estando sujeita às dívidas contraídas e às perdas sofridas pelos diretores da companhia na execução de seus projetos mercantis; a outra permaneceria como antes, como capital de negócios, ficando sujeita às referidas dí- vidas e perdas. A petição era bastante razoável para não ser atendida. Em 1733, a companhia entrou com nova petição ao Parlamento, no sentido de que 3/4 de seu capital de negócios fossem transformados em títulos perpétuos, sendo que apenas 1/4 permaneceria como capital de negócios, isto é, exposto aos riscos decorrentes da má administração dos diretores. A esta altura, tanto os títulos perpétuos como os capitais de negócios haviam diminuído mais de 2 milhões cada, em virtude de vários pagamentos por parte do Governo; assim sendo, esta quarta parte montava apenas a 3 662 784 £ 8 s 6 d. Em 1748, todos os pedidos da companhia ao rei da Espanha, em conseqüência do Contrato de Asiento, foram, em virtude do tratado de Aix-la-Chapelle, substituídas pelo que se supunha ser um equivalente. Assim a companhia deixou de comercializar com as Índias Ocidentais espanholas e o restante de seu capital de negócios foi transformado em títulos perpétuos; a companhia deixou de ser, sob todos os aspectos, uma companhia comercial.

Cumpre observar que, no comércio que a Companhia dos Mares do Sul exerceu através de seu navio anual — o único do qual jamais se poderia esperar que conseguisse auferir algum lucro apreciável — não lhe faltaram concorrentes, seja no mercado externo, seja no interno. Em Cartagena, Porto Bello e La Vera Cruz, teve que enfrentar a concorrência dos comerciantes espanhóis, os quais traziam de Cádiz, para aqueles mercados, mercadorias européias do mesmo tipo que a carga que seu navio trazia do exterior; e na Inglaterra, a companhia teve que enfrentar a concorrência dos comerciantes ingleses, que importavam de Cádiz mercadorias das Índias Ocidentais espanholas, do mesmo gênero de sua carga interna. De fato, as mercadorias dos comerciantes espanhóis e ingleses talvez estivessem sujeitas a taxas alfandegárias mais altas. Todavia, a perda ocasionada pela negligência, pelo esbanjamento e pela malversação dos empregados da companhia provavelmente terá sido um tributo muito mais pesado do que todos os citados. Que uma companhia por ações pudesse ter sucesso em qualquer ramo de comércio externo em que há possibilidade de aventureiros particulares poderem fazer qualquer tipo de concorrência aberta e honesta com ela parece contrário a toda experiência.

A antiga Companhia Inglesa das Índias Orientais foi criada em 1600 por decreto da Rainha Isabel. Nas doze principais viagens feitas à Índia, ela parece ter comercializado como companhia regulamentada, com capitais separados, embora apenas em seus navios gerais. Em 1612 a companhia formou um capital acionário. Sua carta régia era exclusiva e, embora não confirmada por uma lei do Parlamento, naquela época era considerado um privilégio de exclusividade real. Durante muitos anos, portanto, a companhia não sofreu muita interferência dos contrabandistas. Seu capital, que nunca superou as 744 mil libras, sendo que cada ação valia 50 libras, não era tão exorbitante, nem suas transações de tal porte que desse pretexto a total negligência e esbanjamento, ou margem a grande malversação. A despeito de algumas perdas extraordinárias, ocasionadas em parte pela malícia da Companhia Holandesa das Índias Orientais, e em parte por outros fatos, durante muitos anos a companhia teve sucesso em seu comércio. Com o passar do tempo, porém, sendo mais bem assimilados os princípios da liberdade, tornou-se cada vez mais duvidoso determinar até que ponto uma carta régia, não confirmada por uma lei do Parlamento, tinha condições de garantir um privilégio de exclusividade. Sobre essa questão não eram uniformes as decisões dos tribunais de justiça, mas variavam de acordo com a autoridade do Governo e as características da época. Os contrabandistas multiplicavam-se, fazendo concorrência à companhia e, por volta do fim do reinado de Carlos II, por todo o reinado de Jaime II e durante parte do de Guilherme III, a companhia chegou a uma situação calamitosa. Em 1698, apresentou-se ao Parlamento uma proposta no sentido de a companhia adiantar 2 milhões OS ao governo, a 8%, desde que os subscritores instituíssem uma nova Companhia das Índias Orientais, com privilégios de exclusividade. A antiga Companhia das Índias Orientais ofereceu 700 mil libras, quase o total de seu capital, a 4%, nas mesmas condições. Entretanto, a situação do crédito público era tal, naquela época, que convinha mais ao Governo tomar emprestados 2 milhões de libras a 8% do que 700 mil libras a 4%. A proposta dos novos subscritores foi aceita, criando-se assim, uma nova Companhia das Índias Orientais. Todavia, a antiga Companhia das Índias Orientais tinha o direito de continuar a comercializar até 1701. Ao mesmo tempo, em nome de seu tesoureiro, ela havia subscrito, muito habilidosamente, 315 mil libras do capital da nova Companhia. Em virtude de um descuido na forma de expressão da lei do Parlamento, que concedeu o direito do comércio com as Índias Orientais aos subscritores desse empréstimo de 2 milhões, não ficava evidente que todos eles foram obrigados a constituir-se em uma companhia por ações. Alguns comerciantes particulares, cujas subscrições montavam a apenas 7 200 libras, insistiam no privilégio de comercializar separadamente, com seus próprios capitais e risco próprio. A antiga Companhia das Índias Orientais tinha direito a comercializar em separado, com base em seu antigo capital, até 1701; tinha, outrossim, tanto antes como depois desse período, o direito — igual ao de outros comerciantes particulares — de manter um comércio separado com base nas 315 mil libras que havia subscrito do capital da nova Companhia. Conforme se afirma, a concorrência das duas companhias com os comerciantes particulares e entre si quase levou uma e outra à ruína. Posteriormente, em 1730, quando se apresentou ao Parlamento uma proposta no sentido de submeter o comércio à administração de uma companhia regulamentada e, com isto, abri-lo, de certo modo, à concorrência, a Companhia das Índias Orientais, em oposição a tal proposta, manifestou-se em termos extremamente violentos contra os efeitos danosos que, em seu modo de ver, tinham advindo dessa concorrência. Na Índia — afirmava ela — as mercadorias haviam subido tanto de preço que já não valia a pena comprá-las; e na Inglaterra, devido à super-estocagem do mercado, o preço delas descera tanto que já não havia possibilidade de auferir lucro. Dificilmente se pode duvidar de que, em razão de estoques mais abundantes — aliás, para grande vantagem e conveniência da população —, a concorrência deve ter reduzido muito o preço das mercadorias das Índias no mercado inglês; não parece, porém, muito provável que a concorrência tenha feito aumentar muito o preço dessas mercadorias no mercado das Índias, já que toda a extraordinária demanda que essa concorrência poderia provocar não deve ter representado mais do que uma gota d’água no imenso oceano do comércio das Índias Orientais. Além disso, o aumento da demanda, conquanto de início possa fazer subir, às vezes, o preço das mercadorias, nunca deixa de fazê-lo baixar o longo prazo. Ele estimula a produção, aumentando com isto a concorrência dos produtores, e estes, para poder vender mais barato do que os outros concorrentes, empenham-se em novas divisões de tarefas e em aperfeiçoar seus processos de produção, recursos sobre os quais, de outra forma, nunca teriam pensado. Os efeitos danosos de que a companhia se queixava eram o baixo preço dos artigos consumidos e o estímulo dado à produção, exatamente os dois efeitos que a Economia Política tem o grande objetivo de promover. Entretanto, não se permitiu que continuasse por muito tempo a concorrência sobre a qual a companhia apresentara um relato tão sombrio. Em 1702, as duas companhias foram, até certo ponto, unidas por um acordo tripartite, no qual a rainha era a terceira parte; e em 1708, em virtude de lei do Parlamento, as duas companhias foram plenamente consolidadas em uma só, designada com o nome atual de Companhia Unida de Mercadores que Comerciam as Índias Orientais. Considerou-se oportuno inserir nessa lei uma cláusula, permitindo aos comerciantes separados continuarem seu comércio até o dia da festa de São Miguel, 29 de setembro de 1711, mas, ao mesmo tempo, autorizando os diretores, com aviso prévio de três anos, a resgatarem seu pequeno capital de 7200 libras e, com isto, transformar o capital total da companhia em um capital acionário. Em virtude da mesma lei, o capital da companhia, em conseqüência de novo empréstimo do Governo, foi aumentado de 2 milhões para 3,2 milhões de libras. Em 1743 a Companhia adiantou mais um milhão ao Governo. Contudo, tendo essa soma provindo não de uma solicitação aos proprietários, mas da venda das anuidades e contraindo dívidas asseguradas por títulos, ela não aumentou o capital sobre o qual os proprietários tinham direito de reclamar dividendos. O novo acréscimo aumentou, porém, o capital de negócios da companhia, estando igualmente sujeito, com os outros 3,2 milhões de libras, às perdas sofridas e às dívidas contraídas pela companhia no desenvolvimento de seus projetos mercantis. A partir de 1708, ou ao menos desde 1711, esta companhia, uma vez garantida contra qualquer outra concorrência e totalmente inserida no monopólio do comércio inglês com as Índias Orientais, foi bem-sucedida em seu comércio e com os lucros auferidos anualmente, proporcionou modestos dividendos aos seus proprietários. Durante a guerra com a França, que começou em 1741, a ambição do Sr. Dupleix, governador francês de Pondicherry, envolveu a companhia nas guerras do Carnatic e na política dos príncipes indianos. Depois de muitos sucessos notáveis e de perdas igualmente significativas, ela acabou perdendo Madrasta, que na época era seu principal estabelecimento na Índia. O Tratado de Aix-la-Chapelle lhe restituiu este estabelecimento; por volta dessa época, o espírito de guerra e de conquista parece haver-se apossado de seus empregados na Índia e nunca mais tê-los abandonado. Durante a guerra com a França, que começou em 1755, o exército da companhia teve a mesma boa sorte dos exércitos da Grã- Bretanha. Ele defendeu Madrasta, tomou posse de Pondicherry, recuperou Calcutá e adquiriu os rendimentos de rico e extenso território que, na época, montavam a mais de 3 milhões por ano, segundo se diz. A companhia permaneceu na posse pacífica desse rendimento por OS vários anos; mas em 1767, a administração estatal reivindicou a posse das conquistas territoriais da companhia, bem como do rendimento delas decorrente, como um direito pertencente à Coroa; e, para atender a esta reivindicação, a companhia concordou em pagar ao Governo 400 mil libras por ano. Antes disto, ela havia aumentado gradualmente seus dividendos de aproximadamente 6 para 10%, isto é, sobre seu capital de 3,2 milhões de libras havia conseguido aumentar os dividendos de 128 mil libras, ou seja, ela os tinha aumentado de 192 mil libras por ano para 320 mil. Tentava ela, por volta dessa época, aumentar ainda mais os dividendos para 12,5%, o que faria com que os dividendos anuais pagos aos proprietários equivalessem ao que a companhia tinha concordado em pagar anualmente ao Governo, isto é, 400 mil libras por ano. Todavia, durante os dois anos em que deveria vigorar seu acordo com o Governo, a companhia foi impedida de aumentar ainda mais os dividendos, por força de duas leis sucessivas do Parlamento, cujo objetivo era possibilitar-lhe pagar mais rapidamente sua dívidas, na época calculadas em mais de 6 ou 7 milhões de libras esterlinas. Em 1769, a companhia renovou para mais cinco anos seu acordo com o Governo, estipulando que, no decurso do referido período, lhe fosse permitido aumentar gradualmente seus dividendos para 12,5%, desde que o aumento nunca fosse superior a um por cento por ano. Conseqüentemente, este aumento de dividendos, quando tivesse atingido seu ponto máximo, só poderia aumentar os pagamentos da companhia — tanto dos seus proprietários como do Governo — de 608 mil libras acima do que havia sido antes de suas recentes conquistas territoriais. Já mencionei qual era supostamente a renda bruta dessas conquistas territoriais; e, segundo um cálculo feito pela Cruttenden East Indiaman em 1768, a renda líquida, livre de todas as deduções e encargos militares, foi fixada em 2 048 747 libras. Ao mesmo tempo, segundo se afirma, a companhia tinha uma outra renda, proveniente, em parte, de terras, mas sobretudo das alfândegas estabelecidas em seus diversos estabelecimentos, renda que montava a 439 mil libras. Além disso, os lucros de seu comércio, segundo os dados apresentados pelo seu presidente à Câmara dos Comuns, ascendiam, nessa época, no mínimo, a 400 mil libras por ano; de acordo com os dados do contador da companhia, no mínimo, a 500 mil libras; de conformidade com o cômputo mais baixo, no mínimo igual aos dividendos máximos a serem pagos aos proprietários. Uma renda tão alta certamente poderia ter permitido um aumento de 608 mil libras em seus pagamentos anuais e, ao mesmo tempo, poderia ter deixado um grande fundo de amortização, suficiente para a rápida redução das dívidas da companhia. Entretanto, em 1773, suas dívidas, em vez de diminuir, aumentaram, por um atraso no pagamento das 400 mil libras ao Tesouro, por outro pagamento à alfândega, referente às taxas que não tinham sido pagas, por um grande débito com o banco resultante de dinheiro emprestado e por títulos emitidos contra a companhia na Índia, e temerariamente aceitos, num montante superior a 1,2 milhão de libras. A desgraça que essas reclamações acumuladas trouxeram à companhia obrigou-a não somente a reduzir imediatamente seus dividendos a 6%, como também a entregar-se à mercê do Governo, suplicando-lhe, primeiro, uma remissão do pagamento ulterior das 400 mil libras por ano; e, segundo, um empréstimo de 1,4 milhão de libras, para salvá-la da falência imediata. Ao que parece, o grande aumento de sua fortuna servira apenas a empregados como pretexto para gastar mais e como cobertura para malversação ainda superior a esse próprio aumento de fortuna.

A conduta dos empregados da companhia na Índia, bem como o estado geral dos negócios da mesma, na Índia e na Europa, tornaram-se objeto de um inquérito do Parlamento; em conseqüência disso foram efetuadas várias alterações importantes na constituição de sua administração, tanto na Grã-Bretanha como no exterior. Na Índia, seus estabelecimentos principais em Madrasta, Bombaim e Calcutá, que anteriormente haviam sido totalmente independentes entre si, foram submetidos a um governador-geral, secundado por um Conselho de assessores, reservando-se o Parlamento a primeira nomeação desse governador e dos membros do Conselho, que deviam residir em Calcutá, que se tornara agora o que Madrasta fora antes, isto é, o mais importante dos estabelecimentos ingleses na Índia. O tribunal do prefeito de Calcutá, originariamente instituído para julgar causas mercantis surgidas na cidade e na vizinhança, gradualmente ampliou sua jurisdição com a ampliação do império. O tribunal passou então a restringir-se ao propósito originário de sua instituição. Em lugar dele foi instituída uma corte suprema de judicaturas constando de um juiz presidente e de três juízes, nomeados pela Coroa. Na Europa, a exigência necessária para dar a um proprietário o direito de votar nas assembléias gerais da companhia foi aumentada de 500 libras, preço originário de uma ação no capital da companhia, para mil libras. Além disso, para poder votar com base nessa qualificação, declarou-se necessário que o acionista deveria possuí-la no mínimo há um ano — em vez de seis meses, prazo anteriormente exigido — se a tivesse adquirido por compra própria e não por herança. Anteriormente, a diretoria composta de vinte e quatro membros era eleita anualmente; agora decidiu-se que cada diretor fosse eleito para quatro anos, sendo que, porém, seis deles, por sistema de rodízio, deviam deixar a função a cada ano, não podendo reeleger-se na escolha dos seis novos diretores para o ano seguinte. Em decorrência dessas alterações, esperava-se que, tanto o conjunto dos proprietários como o dos diretores, agiriam provavelmente com mais dignidade e firmeza do que costumavam fazê- lo antes. Entretanto, parece impossível que através de quaisquer alterações se possa tornar assembléias aptas, sob qualquer aspecto, a governar um grande império, ou até participar do governo do mesmo, pois a maior parte de seus membros necessariamente tem muito pouco interesse na prosperidade desse império para dispensar atenção àquilo que pode promovê-la. Com muita freqüência, uma pessoa de grande fortuna, mesmo, às vezes, uma pessoa de pequena fortuna, deseja comprar mil libras de ações do capital aplicado na Índia, simplesmente pela influência que espera adquirir com um voto na assembléia dos acionistas. Isto lhe dá uma participação, senão na pilhagem, ao menos na nomeação dos saqueadores da Índia, já que, embora seja a diretoria que faz tal nomeação, ela está inevitavelmente mais ou menos sob a influência dos acionistas, que não somente elegem esses diretores, como também, às vezes, indeferem as nomeações de seus empregados na Índia. Desde que o acionista possa desfrutar dessa influência durante alguns anos e, com isto, atender a um certo número de seus amigos, geralmente pouco se preocupa com os dividendos, ou mesmo com o valor do capital no qual se funda seu voto. Em se tratando da prosperidade do grande império em cujo governo esse voto lhe dá participação, ele raramente tem alguma preocupação. Jamais houve outros soberanos que fossem ou pudessem ser, pela própria natureza das coisas, tão indiferentes à felicidade ou à miséria de seus súditos, ao aprimoramento ou ao deterioramento de seus domínios, à glória ou à desgraça de sua administração, quanto o é, e necessariamente tem de ser, em virtude de causas morais irresistíveis, a maior parte dos acionistas de uma tal companhia mercantil. Ademais, essa indiferença provavelmente tendia a aumentar, em vez de diminuir, graças às novas medidas adotadas em conseqüência do inquérito parlamentar. Por exemplo, uma resolução da Câmara dos Comuns declarou que, quando fosse paga a soma de 1,4 milhão de libras emprestadas pelo Governo à companhia, e suas dívidas asseguradas por títulos se reduzissem a 1,5 milhão de libras, a companhia poderia então — e não antes disto — distribuir dividendos de 8% sobre seu capital; e que, tudo o que restasse de suas rendas e lucros líquidos no país fosse dividido em quatro partes; três delas a serem pagas ao Tesouro para o uso do público, e a quarta parte reservada como um fundo destinado à ulterior redução de suas dívidas asseguradas por títulos ou a atender a outras exigências contingentes que eventualmente pesassem sobre a companhia. Ora, se esta tinha maus administradores e maus diretores, quando toda a sua renda e seus lucros líquidos pertenciam a ela e estavam a seu dispor, certamente não teria probabilidade de ser mais bem administrada e governada quando três quartos deles pertenciam a outras pessoas e a outra quarta parte, embora podendo ser utilizada em benefício da companhia, só poderia sê-lo sob inspeção e com aprovação de terceiros.

Seria mais satisfatório para a companhia que seus empregados e dependentes tivessem tanto o prazer de desperdiçar como o lucro de apropriar-se de todo excedente, após pagar os dividendos propostos de 8%, do que se ela caísse nas mãos de um grupo de pessoas com as quais as citadas resoluções dificilmente poderiam deixar de colocá-la de certo modo em discordância. O interesse dos empregados e dependentes da companhia poderia predominar na assembléia dos acionistas a ponto, em certas circunstâncias, de dispô-la a apoiar os responsáveis pelas depredações cometidas em frontal violação à sua própria autoridade. Para a maioria dos acionistas, o próprio apoio à autoridade de sua assembléia poderia, às vezes, constituir assunto de menor importância do que o apoio àqueles que haviam desafiado essa autoridade.

Conseqüentemente, as medidas de 1773 não puseram fim às irregularidades na direção da companhia na Índia. Não obstante isto, durante um acesso momentâneo de boa conduta, ela chegou a juntar, no Tesouro de Calcutá, mais de 3 milhões de libras esterlinas; apesar disso, a companhia posteriormente estendeu seus domínios ou suas depredações a um vasto território de algumas das mais ricas e férteis regiões da Índia; tudo foi devastado e destruído. A companhia viu-se totalmente despreparada para resistir à incursão de Hyder Ali e, em conseqüência desses distúrbios, atualmente (1784) ela está em situação pior do que nunca, e para evitar falência imediata vê-se novamente obrigada a suplicar a ajuda do Governo. Diversos planos têm sido propostos pelas várias correntes do Parlamento, a fim de melhorar a administração de seus negócios. E todos esses planos parecem ser acordes naquilo que, na realidade, sempre foi extremamente evidente, isto é, que a companhia é totalmente incapaz de governar seus domínios territoriais. A própria companhia deve estar convencida de sua incapacidade, parecendo, por isso, propensa a entregá-los ao Governo.

Ao direito de possuir fortificações e guarnições em países distantes e bárbaros está necessariamente vinculado o de manter a paz e fazer a guerra nessas regiões. As companhias por ações que têm tido o primeiro direito, têm sempre exercido também o segundo, tendo-se com freqüência conferido expressamente este direito a elas. É por demais conhecida, por experiência recente, a maneira injusta, arbitrária e cruel com que elas têm geralmente exercido tal direito.

Quando uma companhia de comerciantes empreende, com seus próprios riscos e despesas, a criação de um novo comércio com alguma nação distante e bárbara, pode ser razoável transformá-la em companhia por ações e outorgar-lhe, em caso de êxito, um monopólio de comércio durante determinado número de anos. É o caminho mais seguro e natural para o Estado recompensá-la por aventurar-se em uma experiência perigosa e dispendiosa, da qual o público posteriormente colherá os benefícios. Um monopólio temporário deste gênero pode ser justificado com base nos mesmos princípios em virtude dos quais se concede monopólio similar de uma nova máquina a seu inventor e o de um novo livro a seu autor. Todavia, expirado esse prazo, o monopólio certamente deve cessar, e as fortificações e guarnições, se é que se considerou necessário estabelecer alguma, devem ser entregues ao Governo, seu valor pago à Companhia, e o comércio aberto a todos os súditos do país. A concessão de um monopólio perpétuo equivale a taxar, de modo extremamente absurdo, todos os demais súditos do país, de duas maneiras: primeiro, pelo alto preço das mercadorias, as quais, no caso de comércio livre, a população poderia comprar muito mais barato; segundo, pela exclusão total dos cidadãos de um setor comercial que poderia ser para muitos deles tanto conveniente como OS  rentável explorar. Além disso, são totalmente condenáveis os motivos pelos quais se impõe tal tributo à população. Ele tem por objetivo simplesmente possibilitar à companhia endossar a negligência, o esbanjamento e a malversação de seus próprios empregados, cuja má conduta raramente permite que os dividendos a serem por ela distribuídos ultrapassem a taxa normal de lucro vigente nos setores em que há liberdade total, e com muita freqüência faz com que esta taxa seja até bastante inferior àquela taxa. Entretanto, sem um monopólio, ao que parece, com base na experiência, uma companhia por ações não seria capaz de explorar por muito tempo nenhum ramo de comércio exterior. Comprar em um mercado para vender com lucro em outro, quando há muitos concorrentes nos dois mercados; atender não somente às variações ocasionais da demanda, mas também às variações muito maiores e mais freqüentes na concorrência ou no atendimento que essa demanda provavelmente terá de outras pessoas, e adaptar habilmente e com critério, tanto a quantidade quanto a qualidade de cada tipo de mercadoria, e todas essas circunstâncias, constituem uma espécie de luta, cujas operações mudam continuamente e dificilmente jamais podem ser conduzidas com sucesso, sem se exercer uma vigilância e uma atenção incessantes, coisa que não se pode esperar por muito tempo dos diretores de uma companhia por ações. A Companhia das Índias Orientais, após resgatar seus fundos, e ao expirar seu privilégio de exclusividade tem, por lei do Parlamento, o direito de continuar como corporação, com um capital acionário, e de comercializar, em sua qualidade de corporação, com as Índias Orientais, juntamente com seus iguais. Todavia, nesta situação, a maior vigilância e atenção dos aventureiros particulares com toda a probabilidade logo fariam a companhia cansar-se desse comércio.

Eminente autor francês, altamente versado em assuntos de Economia Política, o abade Morellet dá uma lista de 55 companhias por ações para comércio exterior, criadas em diversas partes da Europa desde o ano de 1600, as quais, segundo ele, falharam todas por má administração, a despeito de desfrutarem de privilégios de exclusividade. Ele está mal informado com respeito à história de duas ou três delas, que não eram companhias por ações nem fracassaram. Em compensação, porém, houve várias companhias por ações que fracassaram, e que ele omitiu.

Os únicos tipos de comércio que parecem aptos a serem explorados com sucesso por uma companhia por ações, sem deter privilégios de exclusividade, são aqueles em que todas as operações podem ser reduzidas ao que se chama rotina, ou a tal uniformidade de método que comporte pouca ou nenhuma variação. Neste gênero enquadra-se, primeiramente, o comércio bancário; em segundo lugar, o comércio de seguros contra fogo, contra riscos marítimos e captura em tempo de guerra; em terceiro lugar, a construção e manutenção de uma passagem ou canal navegável; e, em quarto lugar, a atividade similar de fornecer água a uma grande cidade.

Ainda que os princípios do comércio bancário possam parecer algo abstrusos, sua prática é passível de ser reduzida a regras estritas. Desviar-se, em certas ocasiões, dessas normas, iludindo-se com especulações de algum lucro extraordinário, é quase sempre extremamente perigoso e muitas vezes fatal para a sociedade bancária que tenta fazê-lo. Mas a estrutura de companhias por ações torna-as geralmente mais tenazes em fixar regras do que qualquer associação privada. Por isso, tais companhias parecem extremamente ajustáveis a esse tipo de atividade. Conseqüentemente, as principais sociedades bancárias da Europa são companhias por ações, muitas das quais administram seus negócios com muito sucesso, sem qualquer privilégio de exclusividade. O Banco da Inglaterra não tem nenhum outro privilégio de exclusividade a não ser o de que nenhuma outra sociedade bancária da Inglaterra, afora ele, pode constar de mais de seis pessoas. Os dois bancos de Edimburgo são companhias por ações sem qualquer privilégio de exclusividade.

O valor do risco — seja contra fogo, contra perda marítima ou contra captura —, embora talvez não possa ser calculado com absoluta exatidão, admite, no entanto, uma estimativa aproximada que faz com que esse tipo de comércio possa, até certo ponto, ser reduzido a regras e métodos rigorosos. Assim, o comércio de seguros pode ser explorado com êxito por uma companhia por ações, sem qualquer privilégio de exclusividade. Nem a London Assurance Company nem a Royal Exchange Assurance Company possuem tal privilégio.

Uma vez construída uma passagem navegável, sua administração se torna bem simples e fácil, podendo ser reduzida a regras e métodos rigorosos. Isto vale até para a construção da mesma, já que ela pode ser feita mediante contratos com empreiteiras a tanto por milha e tanto por eclusa. O mesmo pode se dizer de um canal, um aqueduto ou uma grande adutora para o abastecimento de água a uma grande cidade. Tais empreendimentos, portanto, podem ser e muitas vezes são efetivamente administrados com muito sucesso por companhias de capital acionário, sem qualquer privilégio de exclusividade.

Entretanto, não seria razoável criar uma companhia por ações para algum empreendimento simplesmente porque tal companhia poderia ser capaz de geri-lo com sucesso; ou isentar determinado grupo de comerciantes de algumas leis gerais que são aplicadas a todos os seus vizinhos, simplesmente porque poderiam prosperar com tal isenção. Para tornar tal empreendimento perfeitamente razoável devem concorrer duas outras circunstâncias, além de poder a atividade ser reduzida a normas e métodos rigorosos. Primeiro, é necessário certificar-se com a máxima clareza de que o empreendimento é de utilidade maior e mais geral do que a maioria das atividades comuns; e, segundo, que ele exige um capital superior àquele que se pode obter em uma associação privada. Se um capital modesto fosse suficiente, a grande utilidade do empreendimento não seria razão suficiente para criar uma companhia por ações; de fato, neste caso, a demanda daquilo que ele deveria produzir seria pronta e facilmente atendida por aventureiros privados. Nas quatro atividades acima enumeradas concorrem as duas circunstâncias.

A grande e generalizada utilidade do comércio bancário, quando administrado com prudência, foi plenamente explicada no Livro Segundo desta pesquisa. Ora, um banco oficial, destinado a sustentar o crédito público e, em casos de emergência, a adiantar ao Governo o montante total correspondente a um imposto a ser recolhido — montante que pode representar vários milhões, e do qual o Governo tem de dispor um ou dois anos antes do recolhimento do imposto — exige um capital superior àquele que se pode obter facilmente em alguma associação privada.

O comércio de seguros dá grande segurança às fortunas de pessoas privadas e, dividindo entre um grande número de pessoas a perda que arruinaria um indivíduo, faz com que ela seja leve e suportável para toda a sociedade. Entretanto, para proporcionar esta segurança é necessário que o segurador tenha um capital muito grande. Segundo se afirma, antes da criação das duas companhias de capital acionário para seguros de Londres, foi apresentada ao procurador geral uma lista de cento e cinqüenta seguradores privados que haviam fracassado no decurso de poucos anos.

É suficientemente óbvio que as passagens e canais navegáveis, bem como as obras às vezes necessárias para abastecer de água uma grande cidade, são de grande utilidade geral, sendo manifesto, ao mesmo tempo, que elas freqüentemente exigem uma despesa superior àquela compatível com as fortunas de pessoas privadas.

Excetuados os quatro tipos de comércio acima mencionados, não consegui recordar de nenhum outro no qual concorrem as três circunstâncias necessárias para tornar razoável a criação de uma companhia por ações. A companhia inglesa de cobre de Londres, a companhia de fundição de chumbo, a companhia de polimento de vidro não têm sequer a justificativa de alguma utilidade de maior vulto ou excepcional no objetivo a que visam, nem a consecução desse objetivo parece exigir algum gasto incompatível com as fortunas de um cidadão em particular. Desconheço se o comércio que essas companhias exploram é passível de ser reduzido a regras e métodos estritos que o tornem condizente com a administração de uma companhia por ações, ou se tais companhias têm alguma razão para se orgulhar de seus lucros extraordinários. A companhia de aventureiros da mineração faliu há muito tempo. Uma ação de British Linen Company de Edimburgo é vendida atualmente muito abaixo de seu valor ao par, embora menos do que há alguns anos atrás. As companhias por ações criadas com a finalidade social de promover determinada manufatura, além de gerir mal seus próprios negócios, diminuindo o capital geral da sociedade, sob outros aspectos dificilmente deixam de gerar mais malefícios do que benefícios. A despeito das mais honestas intenções, a inevitável falta de imparcialidade de seus diretores em relação a setores específicos de manufatura, da qual os empresários abusam e se prevalecem, constitui verdadeiro desestímulo para os restantes e rompe necessariamente, em maior ou menor grau, essa proporção natural que de outra maneira se firmaria entre a atividade criteriosa e o lucro e que representa o maior e mais eficaz dos estímulos para todas as atividades do país.

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Resultado de imagem para keynesI was brought up, like most Englishmen, to respect free trade not only as an economic doctrine which a rational and instructed person could not doubt, but almost as a part of the moral law. I regarded ordinary departures from it as being at the same time an imbecility and an outrage. I thought England's unshakable free trade convictions, maintained for nearly a hundred years, to be both the explanation before man and the justification before Heaven of her economic supremacy. As lately as 1923 I was writing that free trade was based on fundamental "truths" which, stated with their due qualifications, no one can dispute who is capable of understanding the meaning of the words." Looking again to-day at the statements of these fundamental truths which I then gave, I do not find myself disputing them. Yet the orientation of my mind is changed; and I share this change of mind with many others. Partly, indeed my background of economic theory is modified; I should not charge Mr. Baldwin, as I did then, with being "a victim of the Protectionist fallacy in its crudest form" because he believed that, in the existing conditions, a tariff might do something to diminish British unemployment. But mainly I attribute my change of outlook to something else--to my hopes and fears and preoccupations, along with those of many or most, I believe, of this generation throughout the world, being different from what they were. It is a long business to shuffle out of the mental habits of the prewar nineteenth-century world. It is astonishing what a bundle of obsolete habiliments one's mind drags round even after the centre of consciousness has been shifted. But to-day at last, one-third of the way through the twentieth century, we are most of us escaping from the nineteenth; and by the time we reach its mid-point, it may be that our habits of mind and what we care about will be as different from nineteenth-century methods and values as each other century's has been from its predecessor's. It may be useful, therefore, to attempt some sort of a stocktaking, of an analysis, of a diagnosis to discover in what this change of mind essentially consists, and finally to inquire whether, in the confusion of mind which still envelops this new-found enthusiasm of change, we may not be running an unnecessary risk of pouring out with the slops and the swill some pearls of characteristic nineteenth century wisdom. What did the nineteenth-century free traders, who were among the most idealistic and disinterested of men, believe that they were accomplishing? They believed--and perhaps it is fair to put this first--that they were being perfectly sensible, that they alone of men were clear-sighted, and that the policies which sought to interfere with the ideal international division of labor were always the offspring of ignorance out of self-interest. In the second place, they believed that they were solving the problem of poverty, and solving it for the world as a whole, by putting to their best uses, like a good housekeeper, the world's resources and abilities. They believed, further, that they were serving, not merely the survival of the economically fittest, but the great cause of liberty, of freedom for personal initiative and individual gift, the cause of inventive art and the glorious fertility of the untrammelled mind against the forces of privilege and monopoly and obsolescence. They believed, finally, that they were the friends and assurers of peace and international concord and economic justice between nations and the diffusers of the benefits of progress. And if to the poet of that age there sometimes came strange desires to wander far away where never comes the trader and catch the wild goat by the hair, there came also with full assurance the comfortable reaction— I, to herd with narrow foreheads, vacant of our glorious gains, Like a beast with lower pleasures, like a beast with lower pains! What fault have we to find with this? Taking it at its surface value--none. Yet we are not, many of us, content with it as a working political theory. What is wrong? We shall discover the source of our doubts, I think, not through a frontal attack, but by perambulation--by wandering round a different way to find the place of our political heart's desire. To begin with the question of peace. We are pacifist today with so much strength of conviction that, if the economic internationalist could win this point, he would soon recapture our support. But it does not now seem obvious that a great concentration of national effort on the capture of foreign trade, that the penetration of a country's economic structure by the resources and the influence of foreign capitalists, and that a close dependence of our own economic life on the fluctuating economic policies of foreign countries are safeguards and assurances of international peace. It is easier, in the light of experience and foresight, to argue quite the contrary. The protection of a country's existing foreign interests, the capture of new markets, the progress of economic imperialism--these are a scarcely avoidable part of a scheme of things which aims at the maximum of international specialization and at the maximum geographical diffusion of capital wherever its seat of ownership. Advisable domestic policies might often be easier to compass, if the phenomenon known as "the flight of capital" could be ruled out. The divorce between ownership and the real responsibility of management is serious within a country, when, as a result of joint stock enterprise, ownership is broken up among innumerable individuals who buy their interest to-day and sell it to-morrow and lack altogether both knowledge and responsibility towards what they momentarily own. But when the same principle is applied internationally, it is, in times of stress, intolerable--I am irresponsible towards what I own and those who operate what I own are irresponsible towards me. There may be some financial calculation which shows it to be advantageous that my savings should be invested in whatever quarter of the habitable globe shows the greatest marginal efficiency of capital or the highest rate of interest. But experience is accumulating that remoteness between ownership and operation is an evil in the relations among men, likely or certain in the long run to set up strains and enmities which will bring to nought the financial calculation. I sympathize, therefore, with those who would minimize, rather than with those who would maximize, economic entanglement among nations. Ideas, knowledge, science, hospitality, travel--these are the things which should of their nature be international. But let goods be homespun whenever it is reasonably and conveniently possible, and, above all, let finance be primarily national. Yet, at the same time, those who seek to disembarrass a country of its entanglements should be very slow and wary. It should not be a matter of tearing up roots but of slowly training a plant to grow in a different direction. For these strong reasons, therefore, I am inclined to the belief that, after the transition is accomplished, a greater measure of national self-sufficiency and economic isolation among countries than existed in 1914 may tend to serve the cause of peace, rather than otherwise. At any rate, the age of economic internationalism was not particularly successful in avoiding war; and if its friends retort, that the imperfection of its success never gave it a fair chance, it is reasonable to point out that a greater success is scarcely probable in the coming years. Let us turn from these questions of doubtful judgment, where each of us will remain entitled to his own opinion, to a matter more purely economic. In the nineteenth century the economic internationalist could probably claim with justice that his policy was tending to the world's great enrichrnent, that it was promoting economic progress, and that its reversal would have seriously impoverished both ourselves and our neighbors. This raises a question of balance between economic and non-economic advantage which is never easily decided. Poverty is a great evil; and economic advantage is a real good, not to be sacrificed to alternative real goods unless it is clearly of an inferior weight. I am ready to believe that in the nineteenth century two sets of conditions existed which caused the advantages of economic internationalism to outweigh disadvantages of a different kind. At a time when wholesale migrations were populating new continents, it was natural that the men should carry with them into the New Worlds the material fruits of the technique of the Old, embodying the savings of those who were sending them. The investment of British savings in rails and rolling stock to be installed by British engineers to carry British emigrants to new fields and pastures, the fruits of which they would return in due proportion to those whose frugality had made these things possible, was not economic internationalism remotely resembling in its essence the part ownership of a German corporation by a speculator in Chicago, or of the municipal improvements of Rio Janeiro by an English spinster. Yet it was the type of organization necessary to facilitate the former which has eventually ended up in the latter. In the second place, at a time when there were enormous differences in degree in the industrialization and opportunities for technical training in different countries, the advantages of a high degree of national specialization were very considerable. But I am not persuaded that the economic advantages of the international division of labor to-day are at all comparable with what they were. I must not be understood to carry my argument beyond a certain point. A considerable degree of international specialization is necessary in a rational world in all cases where it is dictated by wide differences of climate, natural resources, native aptitudes, level of culture and density of population. But over an increasingly wide range of industrial products, and perhaps of agricultural products also, I have become doubtful whether the economic loss of national self-sufficiency is great enough to outweigh the other advantages of gradually bringing the product and the consumer within the ambit of the same national, economic, and financial organization. Experience accumulates to prove that most modem processes of mass production can be performed in most countries and climates with almost equal efficiency. Moreover, with greater wealth, both primary and manufactured products play a smaller relative part in the national economy compared with houses, personal services, and local amenities, which are not equally available for international exchange; with the result that a moderate increase in the real cost of primary and manufactured products consequent on greater national self-sufficiency may cease to be of serious consequence when weighed in the balance against advantages of a different kind. National self-sufficiency, in short, though it costs something, may be becoming a luxury which we can afford, if we happen to want it. Are there sufficient good reasons why we may happen to want it? There are many friends of mine, nurtured in the old school and reasonably offended by the waste and economic loss attendant on contemporary economic nationalism in being, to whom the tendency of these remarks will be pain and grief. Yet let me try to indicate to them in term's with which they may sympathize the reasons which I think I see. The decadent international but individualistic capitalism, in the hands of which we found ourselves after the war, is not a success. It is not intelligent, it is not beautiful, it is not just, it is not virtuous--and it doesn't deliver the goods. In short, we dislike it, and we are beginning to despise it. But when we wonder what to put in its place, we are extremely perplexed. Each year it becomes more obvious that the world is embarking on a variety of politicoeconomic experiments, and that different types of experiment appeal to different national temperaments and historical environments. The nineteenth-century free trader's economic internationalism assumed that the whole world was, or would be, organized on a basis of private competitive capitalism and of the freedom of private contract inviolably protected by the sanctions of law--in various phases, of course, of complexity and development, but conforming to a uniform type which it would be the general object to perfect and certainly not to destroy. Nineteenth-century protectionism was a blot upon the efficiency and good sense of this scheme of things, but it did not modify the general presumption as to the fundamental characteristics of economic society. But to-day one country after another abandons these presumptions. Russia is still alone in her particular experiment, but no longer alone in her abandonment of the old presumptions. Italy, Ireland, Germany have cast their eyes, or are casting them, towards new modes of political economy. Many more countries after them, I predict, will seek, one by one, after new economic gods. Even countries such as Great Britain and the United States, which still conform par excellence to the old model, are striving, under the surface, after a new economic plan. We do not know what will be the outcome. We are--all of us, I expect--about to make many mistakes. No one can tell which of the new systems will prove itself best. But the point for my present discussion is this. We each have our own fancy. Not believing that we are saved already, we each should like to have a try at working out our own salvation. We do not wish, therefore, to be at the mercy of world forces working out, or trying to work out, some uniform equilibrium according to the ideal principles, if they can be called such, of laissez-faire capitalism. There are still those who cling to the old ideas, but in no country of the world to-day can they be reckoned as a serious force. We wish--for the time at least and so long as the present transitional, experimental phase endures--to be our own masters, and to be as free as we can make ourselves from the interferences of the outside world. Thus, regarded from this point of view, the policy of an increased national selfsufficiency is to be considered, not as an ideal in itself, but as directed to the creation of an environment in which other ideals can be safely and conveniently pursued. Let me give as dry an illustration of this as I can devise, chosen because it is connected with ideas with which recently my own mind has been largely preoccupied. In matters of economic detail, as distinct from the central controls, I am in favor of retaining as much private judgment and initiative and enterprise as possible. But I have become convinced that the retention of the structure of private enterprise is incompatible with that degree of material well-being to which our technical advancement entitles us, unless the rate of interest falls to a much lower figure than is likely to come about by natural forces operating on the old lines. Indeed, the transformation of society, which I preferably envisage, may require a reduction in the rate of interest towards vanishing point within the next thirty years. But under a system by which the rate of interest finds a uniform level, after allowing for risk and the like, throughout the world under the operation of normal financial forces, this is most unlikely to occur. Thus for a complexity of reasons, which I cannot elaborate in this place, economic internationalism embracing the free movement of capital and of loanable funds as well as of traded goods may condemn my own country for a generation to come to a much lower degree of material prosperity than could be attained under a different system. But this is merely an illustration. It is my central contention that there is no prospect for the next generation of a uniformity of economic system throughout the world, such as existed, broadly speaking, during the nineteenth century; that we all need to be as free as possible of interference from economic changes elsewhere, in order to make our own favorite experiments towards the ideal social republic of the future; and that a deliberate movement towards greater national self-sufficiency and economic isolation will make our task easier, in so far as it can be accomplished without excessive economic cost. There is one more explanation, I think, of the re-orientation of our minds. The nineteenth century carried to extravagant lengths the criterion of what one can call for short "the financial results," as a test of the advisability of any course of action sponsored by private or by collective action. The whole conduct of life was made into a sort of parody of an accountant's nightmare. Instead of using their vastly increased material and technical resources to build a wonder city, the men of the nineteenth century built slums; and they thought it right and advisable to build slums because slums, on the test of private enterprise, "paid," whereas the wonder city would, they thought, have been an act of foolish extravagance, which would, in the imbecile idiom of the financial fashion, have "mortgaged the future"--though how the construction today of great and glorious works can impoverish the future, no man can see until his mind is beset by false analogies from an irrelevant accountancy. Even to-day I spend my time--half vainly, but also, I must admit, half successfully--in trying to persuade my countrymen that the nation as a whole will assuredly be richer if unemployed men and machines are used to build much needed houses than if they are supported in idleness. For the minds of this generation are still so beclouded by bogus calculations that they distrust conclusions which should be obvious, out of a reliance on a system of financial accounting which casts doubt on whether such an operation will "pay." We have to remain poor because it does not "pay" to be rich. We have to live in hovels, not because we cannot build palaces but because we cannot "afford" them. The same rule of self-destructive financial calculation governs every walk of life. We destroy the beauty of the countryside because the unappropriated splendors of nature have no economic value. We are capable of shutting off the sun and the stars because they do not pay a dividend. London is one of the richest cities in the history of civilization, but it cannot "afford" the highest standards of achievement of which its own living citizens are capable, because they do not "pay." If I had the power to-day, I should most deliberately set out to endow our capital cities with all the appurtenances of art and civilization on the highest standards of which the citizens of each were individually capable, convinced that what I could create, I could afford--and believing that money thus spent not only would be better than any dole but would make unnecessary any dole. For with what we have spent on the dole in England since the war we could have made our cities the greatest works of man in the world. Or again, we have until recently conceived it a moral duty to ruin the tillers of the soil and destroy the age-long human traditions attendant on husbandry, if we could get a loaf of bread thereby a tenth of a penny cheaper. There was nothing which it was not our duty to sacrifice to this Moloch and Mammon in one; for we faithfully believed that the worship of these monsters would overcome the evil of poverty and lead the next generation safely and comfortably, on the back of compound interest, into economic peace. To-day we suffer disillusion, not because we are poorer than we were--on the contrary, even to-day we enjoy, in Great Britain at least, a higher standard of life than at any previous period--but because other values seem to have been sacrificed and because they seem to have been sacrificed unnecessarily, inasmuch as our economic system is not, in fact, enabling us to exploit to the utmost the possibilities for economic wealth afforded by the progress of our technique, but falls far short of this, leading us to feel that we might as well have used up the margin in more satisfying ways. But once we allow ourselves to be disobedient to the test of an accountant's profit, we have begun to change our civilization. And we need to do so very warily, cautiously, and self-consciously. For there is a wide field of human activity where we shall be wise to retain the usual pecuniary tests. It is the state, rather than the individual, which needs to change its criterion. It is the conception of the Secretary of the Treasury as the chairman of a sort of joint stock company which has to be discarded. Now, if the functions and purposes of the state are to be thus enlarged, the decision as to what, broadly speaking, shall be produced within the nation and what shall be exchanged with abroad, must stand high among the objects of policy. From these reflections on the proper purposes of the state, I return to the world of contemporary politics. Having sought to understand and to do full justice to the ideas which underlie the urge felt by so many countries to-day towards greater national selfsufficiency, we have to consider with care whether in practice we are not too easily discarding much of value which the nineteenth century achieved. In those countries where the advocates of national self sufficiency have attained power, it appears to my judgment that, without exception, many foolish things are being done. Mussolini, perhaps, is acquiring wisdom teeth. But Russia to-day exhibits the worst example which the world, perhaps, has ever seen, of administrative incompetence and of the sacrifice of almost everything that makes life worth living to wooden heads. Germany is at the mercy of unchained irresponsibles--though it is too soon to judge her. The Irish Free State, a unit much too small for a high degree of national self-sufficiency except at great economic cost, is discussing plans which might, if they were carried out, be ruinous. Meanwhile those countries which maintain or are adopting straightforward protectionism of the old-fashioned type, refurbished with the addition of a few of the new plan quotas, are doing many things incapable of rational defense. Thus, if the World Economic Conference achieves a mutual reduction of tariffs and prepares the way for regional agreements, it will be matter for sincere applause. For I must not be supposed to be endorsing all those things which are being done in the political world today in the name of economic nationalism. Far from it. But I bring my criticisms to bear, as one whose heart is friendly and sympathetic to the desperate experiments of the contemporary world, who wishes them well and would like them to succeed, who has his own experiments in view, and who in the last resort prefers anything on earth to what the financial reports are wont to call "the best opinion in Wall Street." And I seek to point out that the world towards which we are uneasily moving is quite different from the ideal economic internationalism of our fathers, and that contemporary policies must not be judged on the maxims of that former faith. I see three outstanding dangers in economic nationalism and in the movements towards national self-sufficiency, imperilling their success. The first is Silliness--the silliness of the doctrinaire. It is nothing strange to discover this in movements which have passed somewhat suddenly from the phase of midnight highflown talk into the field of action. We do not distinguish, at first, between the color of the rhetoric with which we have won a people's assent and the dull substance of the truth of our message. There is nothing insincere in the transition. Words ought to be a little wild--for they are the assault of thoughts upon the unthinking. But when the seats of power and authority have been attained, there should be no more poetic license. We have, therefore, to count the cost down to the penny which our rhetoric has despised. An experimental society has need to be far more efficient than an oldestablished one, if it is to survive safely. It will need all its economic margin for its own proper purposes, and can afford to give nothing away to soft-headedness or doctrinaire impracticability. When a doctrinaire proceeds to action, he must, so to speak, forget his doctrine. For those who in action remember the letter will probably lose what they are seeking. The second danger--and a worse danger than silliness--is Haste. Paul Valery's aphorism is worth quoting: "Political conflicts distort and disturb the people's sense of distinction between matters of importance and matters of urgency." The economic transition of a society is a thing to be accomplished slowly. What I have been discussing is not a sudden revolution, but the direction of secular trend. We have a fearful example in Russia to-day of the evils of insane and unnecessary haste. The sacrifices and losses of transition will be vastly greater if the pace is forced. I do not believe in the inevitability of gradualness, but I do believe in gradualness. This is, above all, true of a transition towards greater national self-sufficiency and a planned domestic economy. For it is of the nature of economic processes to be rooted in time. A rapid transition will involve so much pure destruction of wealth that the new state of affairs will be, at first, far worse than the old; and the grand experiment will be discredited. For men judge remorselessly by results, and by early results, too. The third risk, and the worst risk of all three, is Intolerance and the stifling of instructed criticism. The new movements have usually come into power through a phase of violence or quasi-violence. They have not convinced their opponents; they have downed them. It is the modern method--but very disastrous, I am still old-fashioned enough to believe--to depend on propaganda and to seize the organs of opinion; it is thought to be clever and useful to fossilize thought and to use all the forces of authority to paralyze the play of mind on mind. For those who have found it necessary to employ all methods whatever to attain power, it is a serious temptation to continue to use for the task of construction the same dangerous tools which wrought the preliminary housebreaking. Russia, again furnishes us with an example of the crushing blunders which a régime makes when it has exempted itself from criticism. The explanation of the incompetence with which wars are always conducted on both sides may be found in the comparative exemption from criticism which the military hierarchy affords to the high command. I have no excessive admiration for politicians, but, brought up as they are in the very breath of criticism, how much superior they are to the soldiers! Revolutions only succeed because they are conducted by politicians against soldiers. Paradox though it be--who ever heard of a successful revolution conducted by soldiers against politicians? But we all hate criticism. Nothing but rooted principle will cause us willingly to expose ourselves to it. Yet the new economic modes, towards which we are blundering, are, in the essence of their nature, experiments. We have no clear idea laid up in our minds beforehand of exactly what we want. We shall discover it as we move along, and we shall have to mould our material in accordance with our experience. Now for this process bold, free, and remorseless criticism is a sine qua non of ultimate success. We heed the collaboration of all the bright spirits of the age. Stalin has eliminated every independent, critical mind, even those sympathetic in general outlook. He has produced an environment in which the processes of mind are atrophied. The soft convolutions of the brain are turned to wood. The multiplied bray of the loud-speaker replaces the soft inflections of the human voice. The bleat of propaganda bores even the birds and the beasts of the field into stupefaction. Let Stalin be a terrifying example to all who seek to make experiments. If not, I, at any rate, will soon be back again in my old nineteenthcentury ideals, where the play of mind on mind created for us the inheritance we to-day, enriched by what our fathers procured for us, are seeking to divert to our own appropriate purposes.
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Fonte: SMITH, Adam (1996 [1776]). A Riqueza das Nações. São Paulo: Editora Nova Cultural. Vol. II. pp. 198-228.


THE UTILITY OF THE UNION IN RESPECT TO COMMERCE AND A NAVY - ALEXANDER HAMILTON

The importance of the union, in a commercial light, is one of those points, about which there is least room to entertain a difference of opinion, and which has in fact commanded the most general assent of men, who have any acquaintance with the subject. This applies as well to our intercourse with foreign countries, as with each other.

There are appearances to authorize a supposition, that the adventurous spirit, which distinguishes the commercial character of America, has already excited uneasy sensations in several of the maritime powers of Europe. They seem to be apprehensive of our too great interference in that carrying trade, which is the support of their navigation, and the foundation of their naval strength. Those of them, which have colonies in America, look forward, with painful solicitude, to what this country is capable of becoming. They foresee the dangers, that may threaten their American dominions from the neighbourhood ofstates, which have all the dispositions, and would possess all the means, requisite to the creation ofa powerful marine. Impressions of this kind will naturally indicate the policy of fostering divisions among us, and depriving us, as far as possible, of an active commerce in our own bottoms. This would answer then the threefold purpose of preventing our interference in their navigation, of monopolizing the profits of our trade, and of clipping the wings on which we might soar to a dangerous greatness. Did not prudence forbid the detail, it would not be difficult to trace, by facts, the workings of this policy to the cabinets of ministers. If we continue united, we may, in a variety of ways, counteract a policy so unfriendly to our prosperity. By prohibitory regulations, extending at the same time throughout the states, we may oblige foreign countries to bid against each other, for the privileges of our markets. This assertion will not appear chimerical to those who are able to appreciate the importance, to any manufacturing nation, of the markets of three millions of people, increasing in rapid progression; for the most part, exclusively addicted to agriculture, and likely from local circumstances to remain in this disposition; and the immense difference there would be to the trade and navigation of such a nation, between a direct communication in its own ships, and an indirect conveyance of its products and returns, to and from America, in the ships of another country. Suppose, for instance, we had a government in America, capable of excluding Great Britain (with whom we have at present no treaty of commerce) from all our ports; what would be the probable operation of this step upon her politics? Would it not enable us to negotiate, with the fairest prospect of success, for commercial privileges of the most valuable and extensive kind, in the dominions of that kingdom? When these questions have been asked, upon other occasions, they have received a plausible, but not a solid or satisfactory answer. It has been said, that prohibitions on our part would produce no change in the system of Britain; because she could prosecute her trade with us, through the medium of the Dutch, who would be her immediate customers and pay-masters for those articles which were wanted for the supply of our markets. But would not her navigation be materially injured, by the loss of the important advantage of being her own carrier in that trade? Would not the principal part of its profits be intercepted by the Dutch, as a compensation for their agency and risk? Would not the mere circumstance of freight occasion a considerable deduction? Would not so circuitous an intercourse facilitate the competitions of other nations, by enhancing the price of British commodities in our markets, and by transferring to other hands the management of this interesting branch of the British commerce?

A mature consideration of the objects, suggested by these questions, will justify a belief, that the real disadvantages to Great Britain, from such a state of things, conspiring with the prepossessions of a great part of the nation in favour of the American trade, and with the importunities of the West India islands, would produce a relaxation in her present system, and would let us into the enjoyment of privileges in the markets of those islands and elsewhere, from which our trade would derive the most substantial benefits. Such a point gained from the British government, and which could not be expected without an equivalent in exemptions and immunities in our markets, would be likely to have a correspondent effect on the conduct of other nations, who would not be inclined to see themselves altogether supplanted in our trade.

A further resource for influencing the conduct of European nations towards us, in this respect, would arise from the establishment of a federal navy. There can be no doubt, that the continuance of the union, under an efficient government, would put it in our power, at a period not very distant, to create a navy, which, if it could not vie with those of the great maritime powers, would at least be of respectable weight, if thrown into the scale of either of two contending parties. This would be more particularly the case, in relation to operations in the West Indies. A few ships of the line, sent opportunely to the reinforcement of either side, would often be sufficient to decide the fate of a campaign, on the event of which, interests of the greatest magnitude were suspended. Our position is, in this respect, a very commanding one. And if to this consideration we add that ofthe usefulness ofsupplies from this country, in the prosecution of military operations in the West Indies, it will readily be perceived, that a situation so favourable, would enable us to bargain with great advantage for commercial privileges. A price would be set not only upon our friendship, but upon our neutrality. By a steady adherence to the union, we may hope, ere long, to become the arbiter ofEurope in America; and to be able to incline the balance ofEuropean competitions in this part of the world, as our interest may dictate.

But in the reverse of this eligible situation, we shall discover, that the rivalships ofthe parts would make them checks upon each other, and would frustrate all the tempting advantages, which nature has kindly placed within our reach. In a state so insignificant, our commerce would be a prey to the wanton intermeddlings of all nations at war with each other; who, having nothing to fear from us, would, with little scruple or remorse, supply their wants by depredations on our property, as often as it fell in their way. The rights of neutrality will only be respected, when they are defended by an adequate power. A nation, despicable by its weakness, forfeits even the privilege of being neutral.

Under a vigorous national government, the natural strength and resources of the country, directed to a common interest, would baffle all the combinations of European jealousy to restrain our growth. This situation would even take away the motive to such combinations, by inducing an impracticability of success. An active commerce, an extensive navigation, a flourishing marine, would then be the inevitable offspring of moral and physical necessity. We might defy the little arts of little politicians to control, or vary, the irresistible and unchangeable course of nature.

But in a state of disunion, these combinations might exist, and might operate with success. It would be in the power of the maritime nations, availing themselves ofour universal impotence, to prescribe the conditions ofour political existence; and as they have a common interest in being our carriers, and still more in preventing us from becoming theirs, they would, in all probability, combine to embarrass our navigation in such a manner, as would in effect destroy it, and confine us to a passive commerce. We should thus be compelled to content ourselves with the first price of our commodities, and to see the profits of our trade snatched from us, to enrich our enemies and persecutors. That unequalled spirit of enterprise, which signalizes the genius of the American merchants and navigators, and which is in itself an inexhaustible mine of national wealth, would be stifled and lost; and poverty and disgrace would overspread a country, which, with wisdom, might make herself the admiration and envy of the world.

There are rights of great moment to the trade of America, which are rights of the union: I allude to the fisheries, to the navigation of the lakes, and to that of the Mississippi. The dissolution of the confederacy would give room for delicate questions, concerning the future existence of these rights; which the interest of more powerful partners would hardly fail to solve to our disadvantage. The disposition of Spain, with regard to the Mississippi, needs no comment. France and Britain are concerned with us in the fisheries; and view them as of the utmost moment to their navigation. They, of course, would hardly remain long indifferent to that decided mastery, of which experience has shown us to be possessed, in this valuable branch of traffic; and by which we are able to undersell those nations in their own markets. What more natural, than that they should be disposed to exclude from the lists such dangerous competitors?

This branch of trade ought not to be considered as a partial benefit. All the navigating states may in different degrees advantageously participate in it; and under circumstances of a greater extension of mercantile capacity, would not be unlikely to do it. As a nursery of seamen, it now is, or when time shall have more nearly assimilated the principles of navigation in the several states, will become an universal resource. To the establishment of a navy, it must be indispensable.

To this great national object, a navy, union will contribute in various ways. Every institution will grow and flourish in proportion to the quantity and extent ofthe means concentered towards its formation and support. A navy of the United States, as it would embrace the resources ofall, is an object far less remote than a navy of any single state, or partial confederacy, which would only embrace the resources of a part. It happens, indeed, that different portions of confederated America, possess each some peculiar advantage for this essential establishment. The more southern states furnish in greater abundance certain kinds of naval stores ... tar, pitch, and turpentine. Their wood, for the construction of ships, is also of a more solid and lasting texture. The difference in the duration of the ships of which the navy might be composed, if chiefly constructed of southern wood, would be of signal importance, either in the view of naval strength, or of national economy. Some of the southern and of the middle states, yield a greater plenty of iron and of better quality. Seamen must chiefly be drawn from the northern hive. The necessity of naval protection to external or maritime commerce, and the conduciveness of that species of commerce to the prosperity of a navy, are points too manifest to require a particular elucidation. They, by a kind of reaction, mutually beneficial, promote each other.

An unrestrained intercourse between the states themselves, will advance the trade of each, by an interchange of their respective productions, not only for the supply of reciprocal wants, but for exportation to foreign markets. The veins ofcommerce in every part will be replenished, and will acquire additional motion and vigour from a free circulation of the commodities of every part. Commercial enterprise will have much greater scope, from the diversity in the productions of different states. When the staple of one fails, from a bad harvest or unproductive crop, it can call to its aid the staple of another. The variety, not less than the value, of products for exportation, contributes to the activity of foreign commerce. It can be conducted upon much better terms, with a large number of materials of a given value, than with a small number of materials of the same value; arising from the competitions of trade, and from the fluctuations of markets. Particular articles may be in great demand at certain periods, and unsaleable at others; but if there be a variety of articles, it can scarcely happen that they should all be at one time in the latter predicament; and on this account, the operation of the merchant would be less liable to any considerable obstruction or stagnation. The speculative trader will at once perceive the force of these observations; and will acknowledge, that the aggregate balance of the commerce of the United States, would bid fair to be much more favourable than that of the Thirteen States, without union, or with partial unions.

It may perhaps be replied to this, that whether the states are united, or disunited, there would still be an intimate intercourse between them, which would answer the same ends: but this intercourse would be fettered, interrupted, and narrowed, by a multiplicity of causes; which in the course of these papers have been amply detailed. An unity ofcommercial, as well as political interests, can only result from an unity of government.

There are other points of view, in which this subject might be placed, of a striking and animating kind. But they would lead us too far into the regions of futurity, and would involve topics not proper for newspaper discussion. I shall briefly observe, that our situation invites, and our interests prompt us, to aim at an ascendant in the system of American affairs. The world may politically, as well as geographically, be divided into four parts, each having a distinct set of interests. Unhappily for the other three, Europe, by her arms and by her negotiations, by force and by fraud, has, in different degrees, extended her dominion over them all. Africa, Asia, and America, have successively felt her domination. The superiority she has long maintained, has tempted her to plume herselfas the mistress ofthe world, and to consider the rest of mankind as created for her benefit. Men, admired as profound philosophers, have, in direct terms, attributed to her inhabitants a physical superiority; and have gravely asserted, that all animals, and with them the human species, degenerate in America; that even dogs cease to bark, after having breathed a while in our atmosphere. Facts have too long supported these arrogant pretensions ofthe European: it belongs to us to vindicate the honor of the human race, and to teach that assuming brother moderation. Union will enable us to do it. Disunion will add another victim to his triumphs. Let Americans disdain to be the instruments of European greatness! Let the Thirteen States, bound together in a strict and indissoluble union, concur in erecting one great American system, superior to the control of all transatlantic force or influence, and able to dictate the terms of the connexion between the old and the new world!
Publius

Fonte: HAMILTON, Alexander. The Utility of the Union in respect to Commerce and a Navy. In: ______________________; MADISON, James; JAY, John (ed.). THE FEDERALIST (2001 [1788]). Indianapolis: Liberty Fund. pp. 49-55.


PRIVATE ECONOMY AND NATIONAL ECONOMY - FRIEDRICH LIST



We have proved historically that the unity of the nation forms the fundamental condition of lasting national prosperity; and we have shown that only where the interest of individuals has been subordinated to those of the nation, and where successive generations have striven for one and the same object, the nations have been brought to harmonious development of their productive powers, and how little private industry can prosper without the united efforts both of the individuals who are living at the time, and of successive generations directed to one common object. We have further tried to prove in the last chapter how the law of union of powers exhibits its beneficial operation in the individual manufactory, and how it acts with equal power on the industry of whole nations. In the present chapter we have now to demonstrate how the popular school has concealed its misunderstanding of the national interests and of the effects of national union of powers, by confounding the principles of private economy with those of national economy.

 'What is prudence in the conduct of every private family,' says Adam Smith, 'can scarce be folly in that of a great kingdom.' Every individual in pursuing his own interests necessarily promotes thereby also the interests of the community. It is evident that every individual, inasmuch as he knows his own local circumstances best and pays most attention to his occupation, is far better able to judge than the statesman or legislator how his capital can most profitably be invested. He who would venture to give advice to the people how to invest their capital would not merely take upon himself a useless task, but would also assume to himself an authority which belongs solely to the producer, and which can be entrusted to those persons least of all who consider themselves equal to so difficult a task. Adam Smith concludes from this: 'Restrictions on trade imposed on the behalf of the internal industry of a country, are mere folly; every nation, like every individual, ought to buy articles where they can be procured the cheapest; in order to attain to the highest degree of national prosperity, we have simply to follow the maxim of letting things alone (laisser faire et laisser aller).' Smith and Say compare a nation which seeks to promote its industry by protective duties, to a tailor who wants to make his own boots, and to a bootmaker who would impose a toll on those who enter his door, in order to promote his prosperity. As in all errors of the popular school, so also in this one does Thomas Cooper go to extremes in his book which is directed against the American system of protection. 'Political economy,' he alleges, 'is almost synonymous with the private economy of all individuals; politics are no essential ingredient of political economy; it is folly to suppose that the community is something quite different from the individuals of whom it is composed. Every individual knows best how to invest his labour and his capital. The wealth of the community is nothing else than the aggregate of the wealth of all its individual members; and if every individual can provide best for himself, that nation must be the richest in which every individual is most left to himself.' The adherents of the American system of protection had opposed themselves to this argument, which had formerly been adduced by importing merchants in favour of free trade; the American navigation laws had greatly increased the carrying trade, the foreign commerce, and fisheries of the United States; and for the mere protection of their mercantile marine millions had been annually expended on their fleet; according to his theory those laws and this expense also would be as reprehensible as protective duties. ' In any case,' exclaims Mr Cooper, 'no commerce by sea is worth a naval war; the merchants may be left to protect themselves.'

 Thus the popular school, which had begun by ignoring the principles of nationality and national interests, finally comes to the point of altogether denying their existence, and of leaving individuals to defend them as they may solely by their own individual powers.

 How? Is the wisdom of private economy, also wisdom in national economy? Is it in the nature of individuals to take into consideration the wants of future centuries, as those concern the nature of the nation and the State? Let us consider only the first beginning of an American town; every individual left to himself would care merely for his own wants, or at the most for those of his nearest successors, whereas all individuals united in one community provide for the convenience and the wants of the most distant generations; they subject the present generation for this object to privations and sacrifices which no reasonable person could expect from individuals. Can the individual further take into consideration in promoting his private economy, the defence of the country, public security and the thousand other objects which can only be attained by the aid of the whole community? Does not the State require individuals to limit their private liberty according to what these objects require? Does it not even require that they should sacrifice for these some part of their earnings, of their mental and bodily labour, nay, even their own life? We must first root out, as Cooper does, the very ideas of 'State' and 'nation' before this opinion can be entertained.

 No; that may be wisdom in national economy which would be folly in private economy, and vice versâ; and owing to the very simple reason, that a tailor is no nation and a nation no tailor, that one family is something very different from a community of millions of families, that one house is something very different from a large national territory. Nor does the individual merely by understanding his own interests best, and by striving to further them, if left to his own devices, always further the interests of the community. We ask those who occupy the benches of justice, whether they do not frequently have to send individuals to the tread-mill on account of their excess of inventive power, and of their all too great industry. Robbers, thieves, smugglers, and cheats know their own local and personal circumstances and conditions extremely well, and pay the most active attention to their business; but it by no means follows therefrom, that society is in the best condition where such individuals are least restrained in the exercise of their private industry.

 In a thousand cases the power of the State is compelled to impose restrictions on private industry. It prevents the shipowner from taking on board slaves on the west coast of Africa, and taking them over to America. It imposes regulations as to the building of steamers and the rules of navigation at sea, in order that passengers and sailors may not be sacrificed to the avarice and caprice of the captains. In England certain rules have recently been enacted with regard to shipbuilding, because an infernal union between assurance companies and shipowners has been brought to light, whereby yearly thousands of human lives and millions in value were sacrificed to the avarice of a few persons. In North America millers are bound under a penalty to pack into each cask not less than 198 lbs. of good flour, and for all market goods market inspectors are appointed, although in no other country is individual liberty more highly prized. Everywhere does the State consider it to be its duty to guard the public against danger and loss, as in the sale of necessaries of life, so also in the sale of medicines.

But the cases which we have mentioned (the school will reply) concern unlawful damages to property and to the person, not the honourable exchange of useful objects, not the harmless and useful industry of private individuals; to impose restrictions on these latter the State has no right whatever. Of course not, so long as they remain harmless and useful; that which, however, is harmless and useful in itself, in general commerce with the world, can become dangerous and injurious in national internal commerce, and vice versâ. In time of peace, and considered from a cosmopolitan point of view, privateering is an injurious profession; in time of war, Governments favour it. The deliberate killing of a human being is a crime in time of peace, in war it becomes a duty. Trading in gunpowder, lead, and arms in time of peace is allowed; but whoever provides the enemy with them in time of war, is punished as a traitor.

For similar reasons the State is not merely justified in imposing, but bound to impose, certain regulations and restrictions on commerce (which is in itself harmless) for the best interests of the nation. By prohibitions and protective duties it does not give directions to individuals how to employ their productive powers and capital (as the popular school sophistically alleges); it does not tell the one, 'You must invest your money in the building of a ship, or in the erection of a manufactory;' or the other, 'You must be a naval captain or a civil engineer;' it leaves it to the judgment of every individual how and where to invest his capital, or to what vocation he will devote himself. It merely says, 'It is to the advantage of our nation that we manufacture these or the other goods ourselves; but as by free competition with foreign countries we can never obtain possession of this advantage, we have imposed restrictions on that competition, so far as in our opinion is necessary, to give those among us who invest their capital in these new branches of industry, and those who devote their bodily and mental powers to them, the requisite guarantees that they shall not lose their capital and shall not miss their vocation in life; and further to stimulate foreigners to come over to our side with their productive powers. In this manner, it does not in the least degree restrain private industry; on the contrary, it secures to the personal, natural, and moneyed powers of the nation a greater and wider field of activity. It does not thereby do something which its individual citizens could understand better and do better than it; on the contrary it does something which the individuals, even if they understood it, would not be able to do for themselves.

 The allegation of the school, that the system of protection occasions unjust and anti-economical encroachments by the power of the State against the employment of the capital and industry of private individuals, appears in the least favourable light if we consider that it is the foreign commercial regulations which allow such encroachments on our private industry to take place, and that only by the aid of the system of protection are we enabled to counteract those injurious operations of the foreign commercial policy. If the English shut out our corn from their markets, what else are they doing than compelling our agriculturists to grow so much less corn than they would have sent out to England under systems of free importation? If they put such heavy duties on our wool, our wines, or our timber, that our export trade to England wholly or in great measure ceases, what else is thereby effected than that the power of the English nation restricts proportionately our branches of production? In these cases a direction is evidently given by foreign legislation to our capital and our personal productive powers, which but for the regulations made by it they would scarcely have followed. It follows from this, that were we to disown giving, by means of our own legislation, a direction to our own national industry in accordance with our own national interests, we could not prevent foreign nations from regulating our national industry after a fashion which corresponds with their own real or presumed advantage, and which in any case operates disadvantageously to the development of our own productive powers. But can it possibly be wiser on our part, and more to the advantage of those who nationally belong to us, for us to allow our private industry to be regulated by a foreign national Legislature, in accordance with foreign national interests, rather than regulate it by means of our own Legislature and in accordance with our own interests? Does the German or American agriculturist feel himself less restricted if he has to study every year the English Acts of Parliament, in order to ascertain whether that body deems it advantageous to encourage or to impose restrictions on his production of corn or wool, than if his own Legislature imposes certain restrictions on him in respect of foreign manufactured goods, but at the same time insures him a market for all his products, of which he can never again be deprived by foreign legislation?

If the school maintains that protective duties secure to the home manufacturers a monopoly to the disadvantage of the home consumers, in so doing it makes use of a weak argument. For as every individual in the nation is free to share in the profits of the home market which is thus secured to native industry, this is in no respect a private monopoly, but a privilege, secured to all those who belong to our nation, as against those who nationally belong to foreign nations, and which is the more righteous and just inasmuch as those who nationally belong to foreign nations possess themselves the very same monopoly, and those who belong to us are merely thereby put on the same footing with them. It is neither a privilege to the exclusive advantage of the producers, nor to the exclusive disadvantage of the consumers; for if the producers at first obtain higher prices, they run great risks, and have to contend against those considerable losses and sacrifices which are always connected with all beginnings in manufacturing industry. But the consumers have ample security that these extraordinary profits shall not reach unreasonable limits, or become perpetual, by means of the competition at home which follows later on, and which, as a rule, always lowers prices further than the level at which they had steadily ranged under the free competition of the foreigner. If the agriculturists, who are the most important consumers to the manufacturers, must also pay higher prices, this disadvantage will be amply repaid to them by increased demands for agricultural products, and by increased prices obtained for the latter.

It is a further sophism, arrived at by confounding the theory of mere values with that of the powers of production, when the popular school infers from the doctrine, 'that the wealth of the nation is merely the aggregate of the wealth of all individuals in it, and that the private interest of every individual is better able than all State regulations to incite to production and accumulation of wealth,' the conclusion that the national industry would prosper best if only every individual were left undisturbed in the occupation of accumulating wealth. That doctrine can be conceded without the conclusion resulting from it at which the school desires thus to arrive; for the point in question is not (as we have shown in a previous chapter) that of immediately increasing by commercial restrictions the amount of the values of exchange in the nation, but of increasing the amount of its productive powers. But that the aggregate of the productive powers of the nation is not synonymous with the aggregate of the productive powers of all individuals, each considered separately -- that the total amount of these powers depends chiefly on social and Political conditions, but especially on the degree in which the nation has rendered effectual the division of labour and the confederation of the powers of production within itself -- we believe we have sufficiently demonstrated in the preceding chapters.

This system everywhere takes into its consideration only individuals who are in free unrestrained intercourse among themselves, and who are contented if we leave everyone to pursue his own private interests according to his own private natural inclination. This is evidently not a system of national economy, but a system of the private economy of the human race, as that would constitute itself were there no interference on the part of any Government, were there no wars, no hostile foreign tariff restrictions. Nowhere do the advocates of that system care to point out by what means those nations which are now prosperous have raised themselves to that stage of power and prosperity which we see them maintain, and from what causes others have lost that degree of prosperity and power which they formerly maintained. We can only learn from it how in private industry, natural ability, labour and capital, are combined in order to bring into exchange valuable products, and in what manner these latter are distributed among the human race and consumed by it. But what means are to be adopted in order to bring the natural powers belonging to any individual nation into activity and value, to raise a poor and weak nation to prosperity and power, cannot be gathered from it, because the school totally ignoring politics, ignores the special conditions of the nation, and concerns itself merely about the prosperity of the whole human race. Wherever international commerce is in question, the native individual is throughout simply pitted against the foreign individual; examples from the private dealings of separate merchants are throughout the only ones adduced -- goods are spoken of in general terms (without considering whether the question is one of raw products or of manufactured articles) -- in order to prove that it is equally for the benefit of the nation whether its exports and imports consist of money, of raw materials, or of manufactured goods, and whether or not they balance one another. If we, for example, terrified at the commercial crises which prevail in the United States of North America like native epidemics, consult this theory as to the means of averting or diminishing them, it leaves us utterly without comfort or instruction; nay, it is indeed impossible for us to investigate these phenomena scientifically, because, under the penalty of being taken for muddleheads and ignoramuses, we must not even utter the term 'balance of trade,' while this term is, notwithstanding, made use of in all legislative assemblies, in all bureaux of administration, on every exchange. For the sake of the welfare of humanity, the belief is inculcated on us that exports always balance themselves spontaneously by imports; notwithstanding that we read in public accounts how the Bank of England comes to the assistance of the nature of things; notwithstanding that corn laws exist, which make it somewhat difficult for the agriculturist of those countries which deal with England to pay with his own produce for the manufactured goods which he consumes.

The school recognises no distinction between nations which have attained a higher degree of economical development, and those which occupy a lower stage. Everywhere it seeks to exclude the action of the power of the State; everywhere, according to it, will the individual be so much better able to produce, the less the power of the State concerns itself for him. In fact, according to this doctrine savage nations ought to be the most productive and wealthy of the earth, for nowhere is the individual left more to himself than in the savage state, nowhere is the action of the power of the State less perceptible.

Statistics and history, however, teach, on the contrary, that the necessity for the intervention of legislative power and administration is everywhere more apparent, the further the economy of the nation is developed. As individual liberty is in general a good thing so long only as it does not run counter to the interests of society, so is it reasonable to hold that private industry can only lay claim to unrestricted action so long as the latter consists with the well-being of the nation. But whenever the enterprise and activity of individuals does not suffice for this purpose, or in any case where these might become injurious to the nation, there does private industry rightly require support from the whole power of the nation, there ought it for the sake of its own interests to submit to legal restrictions.

If the school represents the free competition of all producers as the most effectual means for promoting the prosperity of the human race, it is quite right from the point of view which it assumes. On the hypothesis of a universal union, every restriction on the honest exchange of goods between various countries seems unreasonable and injurious. But so long as other nations Subordinate the interests of the human race as a whole to their national interests, it is folly to speak of free competition among the individuals of various nations. The arguments of the school in favour of free competition are thus only applicable to the exchange between those who belong to one and the same nation. Every great nation, therefore, must endeavour to form an aggregate within itself, which will enter into commercial intercourse with other similar aggregates so far only as that intercourse is Suitable to the interests of its own special community. These interests of the community are, however, infinitely different from the private interests of all the separate individuals of the nation, if each individual is to be regarded as existing for himself alone and not in the character of a member of the national community, if we regard (as Smith and Say do) individuals as mere producers and consumers, not citizens of states or members of nations; for as such, mere individuals do not concern themselves for the prosperity of future generations -- they deem it foolish (as Mr Cooper really demonstrates to us) to make certain and present sacrifices in order to endeavour to obtain a benefit which is as yet uncertain and lying in the vast field of the future (if even it possess any value at all); they care but little for the continuance of the nation -- they would expose the ships of their merchants to become the prey of every bold pirate -- they trouble themselves but little about the power, the honour, or the glory of the nation, at the most they can persuade themselves to make some material sacrifices for the education of their children, and to give them the opportunity of learning a trade, provided always that after the lapse of a few years the learners are placed in a position to earn their own bread.

Indeed, according to the prevailing theory, so analogous is national economy to private economy that J. B. Say, where (exceptionally) he allows that internal industry may be protected by the State, makes it a condition of so doing, that every probability must exist that after the lapse of a few years it will attain independence, just as a shoemaker's apprentice is allowed only a few years' time in order to perfect himself so far in his trade as to do without parental assistance.

Fonte: LIST, Friedrich. The National System of Political Economy (1909 [1841]). Londres: Longman, Green and co. pp. 132-41.


O MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA - KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS

SOBRE A QUESTÃO DO LIVRE CÂMBIO - KARL MARX 




Senhores, 

A abolição das leis sobre os cereais na Inglaterra é o maior triunfo que o livre-câmbio alcançou no século XIX. Em todos os países onde os fabricantes falam de livre-câmbio, eles têm principalmente em vista o livre-câmbio dos cereais e das matérias-primas em geral. Sujeitar a direitos protetores os cereais estrangeiros é infame, é especular sobre a fome das populações.
Pão a preços baixos, salários altos, cheap food, high wages, eis o objetivo com o qual os free-traders, na Inglaterra, despenderam milhões; e seu entusiasmo já se estendeu aos seus irmãos do continente. Em geral, se se deseja o livre-câmbio, é para aliviar a condição da classe laboriosa.
Mas, coisa espantosa! O povo, ao qual se quer a toda força proporcionar pão a preços baixos, é muito ingrato. O pão a preços baixos é tão desacreditado na Inglaterra como os governos frouxos o são na França. O povo vê nos homens devotados, num Bowring, num Bright e outros, seus maiores inimigos e os hipócritas mais descarados.
Toda gente sabe que a luta entre os liberais e os democratas é, na Inglaterra, a luta entre free-traders e os cartistas.
Vejamos agora como os free-traders ingleses provaram ao povo os bons sentimentos que os faziam agir.
Eis o que diziam aos operários das fábricas:
O direito cobrado sobre os cereais é um imposto sobre o salário, e este imposto vós o pagais aos senhores territoriais, a estes aristocratas da Idade Média; se vossa situação é de miséria, é por causa dos preços elevados dos gêneros de primeira necessidade.
Os operários perguntavam por sua vez aos fabricantes:
Como se explica que nestes trinta anos, nos quais a nossa indústria teve o seu maior desenvolvimento, nossos salários tenham baixados numa proporção bem maior do que aquela em que se verificou a alta dos preços dos cereais?
O imposto que pagamos aos proprietários territoriais, como pretendeis, representa para o operário apenas três pence (seis soldos) por semana. E entretanto o salário do tecelão manual desceu de 28 shillings por semana a 5 shillings, de 35 francos a 7,25 francos, entre 1815 e 1843; e o salário do tecelão, na oficina automática, foi reduzido de 20 shillings por semana a 8 shillings, de 25 francos a 10 francos, entre 1825 e 1843.
E durante todo esse tempo o imposto que em parte pagamos ao proprietário territorial nunca foi além de três pence. Além disso, em 1834, quando o pão estava muito em conta e o comércio ia muito bem, o que é que dizíeis? Se estais em má situação, é porque tendes muitos filhos, é porque vosso casamento é mais fecundo do que a nossa indústria!
Eis as palavras que nos dirigíeis então; e íeis elaborar as novas leis dos pobres e construir as work-houses, estas bastilhas dos proletários.
E a isso replicavam os fabricantes:
Tendes razão, senhores operários; não é somente o preço do trigo, mas também a concorrência entre os braços que se oferecem que determina o salário.
Pensai bem, entretanto, numa coisa: o nosso solo é constituído apenas de rochedos e de bancos de areia. Imaginais, por acaso, que se poderá produzir trigo num vaso de flores? Assim, se, em vez de prodigalizarmos nosso capital e nosso trabalho num solo completamente estéril, abandonássemos a agricultura para nos dedicar inteiramente à indústria, toda a Europa abandonaria as manufaturas, e a Inglaterra formaria uma só cidade manufatureira, que teria como campo o resto da Europa.
Ao falar deste modo aos seus próprios operários, o fabricante é interpelado pelo pequeno comerciante, que lhe diz:
Se abolirmos as leis sobre os cereais arruinaremos, é verdade, a agricultura, mas não forçaremos por isso os outros países a se abastecerem nas nossas fábricas e a abandonarem as suas.
Que resultará disso? Perderei os fregueses que tenho agora no campo, e o comércio interno perderá seus mercados.
O fabricante, voltando as costas para o operário, responde ao merceeiro:
Quanto a isto, deixai por nossa conta. Uma vez abolido o imposto sobre o trigo, teremos por preços mais baixos trigo do estrangeiro. Em seguida baixaremos os salários, que se, elevarão ao mesmo tempo nos outros países, de onde recebemos os cereais.
Assim, além das vantagens que já temos, teremos ainda a de um salário menor, e, com todas estas vantagens, poderemos muito bem forçar o continente a se abastecer em nosso país.
Entretanto, eis que o rendeiro e o operário agrícola entram na discussão.
E, quanto a nós, qual será a nossa situação? perguntam eles.
Poderíamos aceitar uma sentença de morte contra a agricultura que nos faz viver? Deveríamos consentir em que nos tirem o solo de sob os pés?
Como única resposta, a Anti-corn-law League contentou-se em conferir prêmios aos três melhores trabalhos publicados sobre a influência salutar da abolição das leis dos cereais sobre a indústria inglesa.
Estes prêmios foram conquistados pelos srs. Hope, Morse e Gregg, e seus livros foram divulgados no campo aos milhares de exemplares.
Um dos laureados esforça-se por provar que não é nem o rendeiro nem o assalariado agrícola que perderão com a importação livre dos cereais estrangeiros, mas somente o proprietário territorial.
O rendeiro inglês, exclama ele, não deve temer a abolição das leis sobre os cereais, porque nenhum país poderia, produzir trigo a preços tão baixos e de tão boa qualidade como a Inglaterra.
Assim, mesmo no caso de cair o preço do trigo, isto não vos poderia prejudicar, porque esta baixa atingiria unicamente a renda, que diminuiria, e de nenhum modo o lucro industrial e o salário, que permaneceriam os mesmos.
O segundo laureado, sr. Morse, sustenta, ao contrário, que o preço do trigo subirá em seguida à abolição das leis sobre os cereais. E se dá a um trabalho infinito para demonstrar que os direitos de proteção jamais puderam assegurar ao trigo um preço remunerador.
Em apoio de sua asserção, cita o fato de que todas as vezes que se importou trigo estrangeiro, o preço do trigo subiu consideravelmente na Inglaterra; e quando se importava pouco, ele descia extremamente. O laureado se esquece de que a importação não era a causa do preço elevado, mas que o preço elevado era a causa da importação.
E, em completa oposição ao seu co-laureado, afirma que toda alta nos preços dos cereais redunda em benefício do rendeiro e do operário, e não em benefício do proprietário.
O terceiro laureado, sr. Gregg, que é um grande fabricante e cujo livro se dirige à classe dos grandes rendeiros, não podia argumentar com tais ninharias. Sua linguagem é mais científica.
Convém que as leis sobre os cereais não façam subir a renda senão fazendo subir o preço do trigo e que elas não façam subir o preço do trigo senão impondo ao capital a obrigação de se aplicar a terras de qualidade inferior, sendo óbvia a explicação de tal coisa.
À medida que a população aumenta, e não podendo o trigo estrangeiro entrar no país, é forçoso recorrer-se a terras menos férteis, cuja cultura exige mais despesas, e cujo produto é, em consequência, mais caro.
Sendo o trigo de venda forçada, o preço será regulado necessariamente pelo preço dos produtos das terras mais onerosas. A diferença existente entre estes preços e o custo de produção das melhores terras constitui a renda.
Assim, se, em seguida à abolição das leis sobre os cereais, o preço do trigo e, em consequência, a renda caem, é porque as terras pouco produtivas deixarão de ser cultivadas. Logo, a redução da renda acarretará infalivelmente a ruína de uma parte dos rendeiros.
Estas observações eram necessárias para fazer compreender a linguagem do sr. Gregg.
Os pequenos rendeiros, diz ele, que não conseguirem manter-se na agricultura terão um recurso na indústria. Quanto aos grandes rendeiros, eles devem lucrar com isso, pois ou os proprietários serão forçados a vender-lhes por preços baixos suas terras ou os contratos de arrendamento que farão com eles serão de prazos muito prolongados. E isso lhes permitirá empregar grandes capitais na terra, utilizar máquinas numa escala maior, e assim fazer economia no que diz respeito ao trabalho manual que, aliás, se tornará mais barato com a baixa geral dos salários, consequência imediata das leis sobre os cereais.
O doutor Bowring deu a todos estes argumentos uma consagração religiosa, ao exclamar, numa reunião pública:
Jesus Cristo é o free-trade; o free-trade é Jesus Cristo.
Compreende-se que toda esta hipocrisia não era adequada a fazer com que os operários fossem tentados pelo pão a preços baixos.
Como, aliás, poderiam os operários compreender a filantropia subitânea dos fabricantes, desta gente que ainda estava ocupada no combate ao projeto de lei das dez horas, com o qual se queria reduzir o dia de trabalho dos operários das fábricas de doze para dez horas?
Para vos dar uma ideia da filantropia dos, fabricantes, lembrar-vos-ei, senhores, os regulamentos adotados em todas as fábricas.
Cada fabricante tem para seu uso particular um verdadeiro código com multas estipuladas para todas as faltas voluntárias ou involuntárias. Por exemplo, o operário pagará tanto, se tiver a infelicidade de se sentar numa cadeira, de cochichar, conversar, ou rir, se chegar alguns minutos atrasado, se acontecer partir-se uma peça da máquina, se não entregar os objetos na quantidade desejada, etc., etc. As multas são sempre mais elevadas do que os danos verdadeiramente ocasionados pelo operário. E para que o operário possa mais facilmente incorrer nas penalidades, adianta-se o relógio da fábrica, fornecem-se matérias-primas de má qualidade para que se façam com elas boas peças. O contramestre que não se mostrar capaz de multiplicar os casos de contravenção é destituído de suas funções.
Como vedes, senhores, esta legislação interna é feita para produzir contravenções, e procura-se fazer com que aumente o número de contravenções para que aumente o dinheiro arrecadado. Assim, o fabricante emprega todos os meios para reduzir o salário nominal e para explorar até os acidentes pelos os quais o operário não pode ser responsabilizado.
Estes fabricantes são os mesmos filantropos que quiseram fazer com que os operários acreditassem que eram capazes de fazer despesas enormes, unicamente para melhorar a sua sorte.
Assim, de um lado, eles reduzem da maneira mais mesquinha o salário do operário através dos regulamentos de fábrica, e, de outro, lhe impõem os maiores sacrifícios para fazê-lo subir por meio da Anti-corn-law League.
Eles constroem, com grandes despesas, palácios onde a League estabelecia, de certo modo, sua sede oficial; põem em movimento um exército de missionários que se dirigem para todos os pontos da Inglaterra, a fim de pregarem a religião do livre-câmbio; mandam imprimir e distribuir gratuitamente milhares de brochuras para esclarecerem o operário acerca de seus próprios interesses; despendem somas enormes para tornar a imprensa favorável à sua causa; organizam uma vasta administração para dirigir os movimentos livre-cambistas; e empregam todos os recursos de sua eloquência nos comícios públicos. Foi num desses comícios que um operário exclamou:
"Se os proprietários territoriais vendessem nossos ossos, vós, fabricantes, serieis os primeiros a comprá-los, para atirá-los num moinho a vapor e transformá-los em farinha".
Os operários ingleses compreenderam muito bem a significação da luta entre os proprietários territoriais e os capitalistas industriais. Eles sabem muito bem que se queria rebaixar o preço do pão para rebaixar o salário e que o lucro industrial aumentaria na proporção em que a renda diminuísse.
Ricardo, o apóstolo dos free-traders ingleses, o mais notável dos economistas do nosso século, está, a este respeito, de perfeito acordo com os operários.
Ele escreveu na sua célebre obra sobre economia política:
"Se, em vez de cultivar trigo em nosso país, descobríssemos um novo mercado onde pudéssemos encontrar esse produto por preços mais em conta, os salários deveriam, nesse caso, baixar e os lucros aumentar. A baixa do preço dos produtos da agricultura reduz os salários não somente dos operários agrícolas, mas também de todos os que trabalham nas manufaturas ou estão empregados no comércio."
E não acrediteis, senhores, que se trate de coisa inteiramente indiferente para o operário não receber mais de quatro francos, estando o trigo mais barato, no lugar dos cinco francos que recebia anteriormente.
Seu salário não diminuiu, de qualquer modo, em relação ao lucro? E não é claro que sua posição social piorou em face do capitalismo? Além disso, ele perde ainda concretamente.
Enquanto o preço do trigo estava a preços mais altos, sendo o salário também mais elevado, uma pequena economia feita no consumo do pão bastava para proporcionar ao operário outros proveitos, mas desde o momento que o pão e, em consequência, o salário, baixam, ele não poderá economizar quase nada sobre o pão para a aquisição de outros objetos.
Os operários ingleses fizeram sentir aos free-traders que eles não se deixavam enganar pelas suas ilusões e suas mentiras, e se, apesar disso, se associaram a eles contra os proprietários territoriais, foi para destruir os últimos restos da feudalidade e para ter pela frente um único inimigo. Os operários não se enganaram em seus cálculos, pois os proprietários territoriais, para se vingar dos fabricantes, fizeram causa comum com os operários na aprovação da lei das dez horas, que estes últimos pleiteavam em vão fazia trinta anos, e que foi adotada imediatamente depois da abolição dos direitos sobre os cereais.
Se, no congresso dos economistas, o doutor Bowring tirou de seu bolso uma longa lista para mostrar todas as partes do boi, o presunto, o toucinho, os frangos, etc., etc., que foram importados na Inglaterra, para serem consumidos, como disse, pelos operários, ele se esqueceu infortunadamente de vos dizer que no mesmo instante os trabalhadores de Manchester e de outras cidades manufatureiras, eram despedidos de seus empregos em consequência da crise que começava.
Em economia política, não se deve jamais, em princípio, agrupar os algarismos referentes a um único ano para deles deduzir leis gerais. Deve-se tomar sempre o termo médio de seis a sete anos — lapso de tempo durante o qual a indústria moderna passa por fases diferentes de prosperidade, superprodução, estagnação, crise e completa seu ciclo fatal.
Sem dúvida, se os preços de todas as mercadorias descerem, e essa é a consequência necessária do livre-câmbio, eu poderia obter com um franco muito mais coisas do que antes. E o franco do operário vale tanto quanto qualquer outro. Logo, o livre-câmbio será muito vantajoso para o operário. Existe somente um pequeno inconveniente: é que o operário, antes de trocar o seu franco por outras mercadorias, havia feito, primeiramente, a troca de seu trabalho por capital. Se nesta troca ele recebesse sempre pelo mesmo trabalho o franco em questão, e se os preços de todas as outras mercadorias descessem, ele ganharia sempre nessa transação. O ponto difícil não está em provar que baixando o preço de todas as mercadorias terei mais mercadorias pelo mesmo dinheiro.
Os economistas consideram sempre o preço do trabalho no momento em que ele é trocado por outras mercadorias. Mas deixam inteiramente de lado o momento em que é efetuada a troca do trabalho por capital.
Quando forem necessárias menos despesas para pôr em movimento a máquina que produz as mercadorias, as coisas indispensáveis para sustentar esta máquina que se chama trabalhador custarão igualmente menos. Se todas as mercadorias estiverem mais baratas, o trabalho, que é também uma mercadoria baixará também de preço, e, como veremos mais tarde, este trabalho — mercadoria baixará proporcionalmente muito mais do que as outras mercadorias. O trabalhador, depois de ter confiado na argumentação dos economistas, verificará que o franco se derreteu em seu bolso, e que não lhe restam senão cinco soldos.
Os economistas dirão então: pois bem, convimos em que a concorrência entre os operários, a qual certamente não terá diminuído sob o regime do livre-câmbio, não tardará a colocar os salários de acordo com o preço baixo das mercadorias. Mas de outro lado o preço baixo das mercadorias determinará o aumento do consumo; o consumo maior exigirá uma maior produção, a qual será seguida de uma maior procura de braços, e a esta maior procura de braços sucederá uma alta de salários.
Toda esta argumentação se reduz ao seguinte: o livre-câmbio aumenta as forças produtivas. Se a indústria cresce, se a riqueza, a força de produção, se, numa palavra, o capital produtivo aumenta a procura de trabalho, o preço do trabalho e, como consequência, o salário, aumentam igualmente. A melhor condição para o operário é o crescimento do capital. E é preciso concordar com isso. Se o capital permanecer estacionário, a indústria não permanecerá somente estacionária, mas declinará, e neste caso, o operário será a primeira vítima. Ele perecerá antes do capitalista. E se o capital continuar a crescer nesse estado de coisas que apontamos, o melhor para o operário, qual será a sua sorte? Perecerá igualmente. O crescimento do capital produtivo implica a acumulação e a concentração dos capitais. A concentração dos capitais leva a uma maior divisão do trabalho e a um maior emprego de máquinas. A maior divisão do trabalho destrói a especialização do trabalho, destrói a especialização do trabalhador, e pondo no lugar desta especialização um trabalho que toda gente pode fazer, ele aumenta a concorrência entre os operários.
Esta concorrência torna-se ainda mais intensa, pois a divisão do trabalho permite ao operário fazer sozinho o trabalho de três pessoas.
As máquinas apresentam o mesmo resultado numa escala muito maior. O crescimento do capital produtivo, forçando os capitalistas industriais a trabalharem com meios sempre crescentes, arruína os pequenos industriais e os atira no proletariado. Em seguida, a taxa do juro diminuindo à medida que os capitais se acumulam, os pequenos rendeiros que não podem mais viver de suas rendas serão forçados a entrar na indústria, para aumentarem depois o número de proletários.
Enfim, quanto mais aumenta o capital produtivo, mais é ele forçado a produzir para um mercado de que não conhece as necessidades, quanto mais a produção precede ao consumo, mais a oferta procura forçar a procura, e, em consequência, as crises aumentam de intensidade e de rapidez. Mas toda crise, por sua vez, acelera a centralização dos capitais e torna maior o número de proletários.
Assim, à medida que o capital produtivo cresce, a concorrência entre os operários aumenta numa proporção muito mais intensa. A retribuição do trabalho diminui para todos, e o fardo do trabalho aumenta para alguns.
Em 1829, havia em Manchester 1.088 fiandeiros trabalhando em 36 fábricas. Em 1841 não havia senão 448, e estes movimentavam 53.353 fusos a mais do que os 1.088 operários de 1829. Se a relação do trabalho manual com o poder produtivo tivesse aumentado proporcionalmente, o número dos operários teria sido de 1848; assim os melhoramentos introduzidos na mecânica tiraram o trabalho a 1.100 operários.
Sabemos com antecedência a resposta dos economistas. Estes homens privados de trabalho, dizem eles, encontrarão outro emprego para seus braços. O senhor doutor Bowring não deixou de reproduzir este argumento no congresso dos economistas, mas também não deixou de refutar a si mesmo.
Em 1833, o doutor Bowring pronunciou um discurso na Câmara dos Comuns, a respeito dos 50.000 tecelões de Londres que fazia muito tempo morriam de inanição, sem conseguirem encontrar esta nova ocupação que os free-tradersfazem entrever à distância.
Vamos citar as passagens mais importantes desse discurso do senhor doutor Bowring.
"A miséria dos tecelões manuais, disse ele, é a sorte inevitável de toda espécie de trabalho que se prende facilmente e que é susceptível de ser a cada momento substituída por meios menos dispendiosos. Como, neste caso, a concorrência entre os operários é extremamente grande, a menor diminuição na procura produz uma crise. Os tecelões manuais encontram-se de algum modo colocados nos confins da existência humana. Um passo mais, e a sua existência se tornará impossível. O menor choque bastará para atirá-los ao caminho do aniquilamento. O progresso da mecânica, suprimindo cada vez mais o trabalho manual, ocasiona infalivelmente durante a época de transição muitos sofrimentos temporais. O bem-estar nacional não poderia ser obtido senão à custa de alguns males individuais. Não se avança na indústria senão com prejuízo dos retardatários; e de todas as descobertas, o tear a vapor é a que mais esmaga com seu peso os tecelões manuais. Já em muitos artigos que se faziam a mão, o tecelão foi posto fora de combate, mas ele será vencido em muitas outras coisas que ainda se fazem a mão.
Tenho nas mãos, diz ele mais adiante, uma correspondência do governador geral com a Companhia das Índias Orientais. Esta correspondência diz respeito aos tecelões do distrito de Dacca. O governador diz em suas cartas: há alguns anos a Companhia das Índias Orientais recebia de seis a oito milhões de peças de algodão, que eram fabricadas nos teares do país; a procura caiu gradualmente e foi reduzida a cerca de um milhão de peças.
Neste momento ela cessou quase completamente. Além disso, em 1800, a América do Norte adquirira nas Índias cerca de 800.000 peças de algodão. Em 1830 não adquiriu nem mesmo 4.000. Enfim, em 1800, foi embarcado, para ser transportado para Portugal, um milhão de peças de algodão. Em 1830, Portugal não recebia senão 20.000.
Os relatórios sobre a miséria dos tecelões indianos são terríveis. E qual foi a origem desta miséria?
A presença no mercado dos produtos ingleses; a produção do artigo por meio do tear a vapor. Um número muito grande de tecelões morreu de inanição; o restante passou para outras ocupações, sobretudo para os trabalhos agrícolas. Não saber mudar de ocupação equivalia a uma sentença de morte. Neste momento o distrito de Dacca está repleto de fios e de tecidos ingleses. A musselina de Dacca, famosa no mundo inteiro pela sua beleza e firmeza de sua textura, foi também eclipsada pela concorrência das máquinas inglesas. Em toda a história do comércio, seria talvez difícil encontrar sofrimentos semelhantes aos que tiveram de suportar classes inteiras nas Índias Orientais."
O discurso do senhor doutor Bowring é notável principalmente por serem exatos os fatos nele citados, e as frases com que tenta mitigá-los têm o caráter da hipocrisia comum a todos os sermões livre-cambistas. Ele apresenta os operários como meios de produção que precisam ser substituídos por outros meios de produção menos dispendiosos. Finge ver no trabalho de que fala um trabalho inteiramente excepcional, e na máquina que esmagou os tecelões uma máquina igualmente excepcional. Esquece-se de que não há trabalho manual que não seja susceptível de sofrer um dia a sorte da tecelagem.
"O objetivo constante e a tendência de todo aperfeiçoamento no mecanismo são, com efeito, dispensar inteiramente o homem ou diminuir o seu preço por meio da substituição da indústria do operário adulto pela das mulheres e das crianças, ou pelo trabalho do operário inábil o do artesão experimentado. Na maior parte das fiações de teares contínuos, em inglês throstle-mills, a fiação é inteiramente executada por mocinhas de dezesseis anos e de menos idade. A substituição da mull-jenny comum pela mull-jennyautomática teve como efeito o desemprego da maior parte dos fiandeiros, sendo mantidos no trabalho as crianças e os adolescentes."
Estas palavras do mais apaixonado dos livre-cambistas, o senhor doutor Ure, servem para completar as confissões do sr. Bowring. O sr. Bowring fala de alguns males individuais, e diz, ao mesmo tempo, que estes males individuais fazem perecer classes inteiras; fala dos sofrimentos passageiros do período de transição, sem contudo procurar dissimular que estes sofrimentos passageiros consistiram para a maior parte dos trabalhadores na passagem da vida para a morte, e para a parte restante no movimento de transição para uma condição inferior àquela na qual se encontravam anteriormente. Se ele diz, mais adiante, que o infortúnio destes operários é inseparável do progresso da indústria e necessário ao bem-estar nacional, ele diz simplesmente que o bem-estar da classe burguesa tem como condição necessária a desgraça da classe laboriosa.
Toda a consolação que o sr. Bowring pródiga aos operários que perecem, e, em geral, toda a doutrina de compensação que os free-traders estabelecem, reduz-se ao seguinte:
Vós, milhares de operários que definhais, não vos desoleis. Podeis morrer com toda a tranquilidade. Vossa classe não perecerá. Ela será sempre bastante numerosa para que o capital a possa dizimar, sem que tenha de recear o seu extermínio. Aliás, como havíeis de querer que o capital encontrasse uma aplicação útil, se ele não tivesse o cuidado de se proporcionar sempre a matéria explorável, os operários, para os explorar de novo?
E também, por que apresentar como problema a ser resolvido a influência que a efetivação do livre-câmbio exercerá sobre a situação da classe operária? Todas as leis que os economistas expuseram, desde Quesnay até Ricardo, foram estabelecidas na suposição de que os entraves que ainda dificultam a liberdade comercial deixaram de existir. Estas leis se confirmam à medida que o livre-câmbio se torna uma realidade.
A primeira destas leis é que a concorrência reduz o preço de toda mercadoria ao mínimo de seu custo de produção. Assim, o mínimo de salário é o preço natural do trabalho. E que é o mínimo de salário? É precisamente o necessário para fazer produzir os objetos indispensáveis ao sustento do operário, para pô-lo em condições de se alimentar bem ou mal e de propagar por pouco que seja a sua raça.
Não suponhamos, contudo, que o operário não terá senão este mínimo de salário; não suponhamos, também, que ele terá sempre este mínimo de salário.
Não, segundo esta lei, a classe operária será às vezes mais feliz. Ela terá algumas vezes mais do que o mínimo; mas este excedente não será senão o suplemento daquilo que ela terá recebido abaixo do mínimo na época de estagnação industrial. Isso quer dizer que num certo lapso de tempo que é sempre periódico, neste círculo que a indústria faz, passando pelas vicissitudes de prosperidade, de superprodução, de estagnação e de crise — e considerando-se tudo o que os trabalhadores terão tido a mais ou a menos que o mínimo — isso tudo quer dizer que a classe operária não será conservada como classe senão depois de muitas desgraças e misérias e cadáveres deixados sobre o campo de batalha industrial. Mas que importa? A classe subsiste sempre, e, melhor ainda, ela terá aumentado.
Isso não é tudo. O progresso da indústria produz meios de existência menos custosos. É assim que a aguardente substituiu a cerveja, que o algodão substituiu a lã e o linho, e que a batata substituiu o pão.
Assim, como se encontra sempre meio de alimentar o trabalho com coisas menos caras e mais miseráveis, o mínimo de salário vai sempre diminuindo. Se este salário começou por fazer trabalhar o homem para viver, ele acabou fazendo o homem viver uma vida de máquina. Sua existência não tem outro valor senão o de uma simples força produtiva, e o capitalista o trata em consequência.
Esta lei do trabalho-mercadoria, do mínimo do salário, verificar-se-á à medida que a suposição dos economistas, o livre-câmbio, se torne uma realidade, uma atualidade. Assim, das duas cousas uma: ou é preciso renegar toda a economia política baseada sobre a suposição do livre-câmbio, ou então é preciso convir em que os operários serão atingidos por todo o rigor das leis econômicas neste regime de livre-câmbio.
Para resumir: no estado atual da sociedade, que é, pois, o livre-câmbio? É a liberdade do capital. Quando tiverdes feito cair os poucos entraves nacionais que ainda dificultam a marcha do capital, não tereis feito senão libertar inteiramente a sua ação. Enquanto se deixar subsistir a relação entre o trabalho assalariado e o capital, a troca das mercadorias entre elas em vão se fará nas condições mais favoráveis: haverá sempre uma classe que explorará e uma classe que será explorada. É verdadeiramente difícil compreender a pretensão dos livre-cambistas, que imaginam que o emprego mais vantajoso do capital fará desaparecer o antagonismo entre os capitalistas industriais e os trabalhadores assalariados. Pelo contrário, tudo o que resultará é que a oposição destas duas classes se acentuará ainda mais nitidamente.
Admiti por um instante que não haja mais leis sobre os cereais, nem alfândega, nem direitos de barreira, enfim, que todas as circunstâncias acidentais, às quais o operário pode ainda atribuir a culpa de sua situação de miséria, tenham desaparecido inteiramente, e tereis rasgado tantos outros véus que ocultam a seus olhos o seu verdadeiro inimigo.
Ele verá que o capital libertado não o escraviza menos que o capital molestado pelas aduanas.
Senhores, não vos deixeis iludir pela palavra abstrata de liberdade. Liberdade para quem? Esta não é a liberdade de um simples indivíduo em presença de outro indivíduo. É a liberdade que tem o capital de esmagar o trabalhador.
Como havíeis ainda de querer sancionar a livre concorrência com esta ideia de liberdade quando esta liberdade não é senão o produto de um estado de cousas baseado sobre a livre concorrência?
Já vimos o que é a fraternidade que o livre-câmbio faz nascer entre as diferentes classes de uma só e mesma nação. A fraternidade que o livre-câmbio viesse a estabelecer entre as diversas nações da terra não seria mais fraternal. Designar pelo nome de fraternidade universal a exploração em seu estado cosmopolita é uma ideia que não poderia ter origem senão no seio da burguesia. Todos os fenômenos destruidores que a livre concorrência faz nascer no interior de um país se reproduzem em proporções mais gigantescas no mercado mundial. Não temos necessidade de nos deter mais longamente nos sofismas que expendem sobre este assunto os livre-cambistas, e que valem bem os argumentos de nossos três laureados, srs. Hope, Morse e Gregg.
Alega-se, por exemplo, que o livre-câmbio faria nascer uma divisão internacional do trabalho, a qual atribuiria a cada país uma produção em harmonia com seus recursos naturais.
Pensais, talvez, senhores, que a produção de café e de açúcar é o destino natural das Índias Ocidentais.
Dois séculos antes, a natureza, que não se preocupa muito com comércio, não havia colocado naquela região nem cafeeiros nem cana de açúcar.
E não se passará talvez nem meio século, e não encontrareis mais ali nem café nem açúcar, pois as Índias Orientais, através de uma produção mais barata, já enfrentaram vitoriosamente este pretenso destino natural das Índias Ocidentais. E estas Índias Ocidentais com seus dons naturais já são para os ingleses um fardo tão pesado quanto os tecelões de Dacca, que, eles também, estavam destinados desde a origem dos tempos a tecer à mão.
Outra coisa que não se deve jamais perder de vista é que, do mesmo modo como tudo se tornou monopólio, há também em nossos dias alguns ramos industriais que dominam todos os outros e que asseguram aos povos que mais os exploram o império sobre o mercado mundial. É assim que no comércio internacional o algodão sozinho tem um maior valor comercial do que todas as matérias-primas empregadas para a fabricação de roupas, consideradas em conjunto. E é verdadeiramente risível ver os livre-cambistas fazer ressaltar umas poucas especialidades em cada ramo industrial para compará-las com os produtos de uso comum que se produzem a preços mais baixos nos países onde a indústria se encontra em grande desenvolvimento.
Não devemos nos admirar de que os livre-cambistas não consigam compreender como um país pode se enriquecer à custa de outros, pois estes mesmos senhores também não querem compreender como, no interior de um país, uma classe pode se enriquecer à custa de outra classe.
Não acrediteis, senhores, que fazendo a crítica da liberdade comercial temos a intenção de defender o sistema protecionista. Podeis vos declarar inimigos do regime constitucional, e nem por isso vos declarais amigos do antigo regime.
Aliás, o sistema protecionista não é senão um meio de se estabelecer numa nação a grande indústria, isto é, de fazê-la depender do mercado mundial, e desde que se dependa do mercado mundial já se depende mais ou menos do livre-câmbio. Além disso, o sistema protecionista contribui para desenvolver a livre concorrência no interior de um país. É por isso que vemos a burguesia fazer grandes esforços para ter direitos de proteção nos países onde ela começa a se fazer valer como classe, como, por exemplo, na Alemanha. Esses direitos são para ela armas contra a feudalidade e contra o governo absoluto, um meio de concentrar suas forças, de realizar o livre-câmbio no interior do seu próprio país.
Mas, em geral, nos nossos dias, o sistema do livre-câmbio é destruidor. Ele dissolve as antigas nacionalidades e leva ao extremo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Numa palavra, o sistema da liberdade de comércio apressa a revolução social. É somente neste sentido revolucionário, senhores, que eu voto em favor do livre-câmbio.



O PAPEL DA ECONOMIA NA POLÍTICA - GUNNAR MYRDAL

Mesmo se acreditássemos ser possível uma ciência normativa, nossa crítica no capítulo anterior ainda seria válida, pois não se deveriam incorporar juízos de valor à economia por meio de argumentos sofísticos. Se a ciência econômica tem de ser normativa, decerto não deveria meramente constituir má lógica. 
Por outro lado, há uma ampla concordância no sentido de que a economia deveria ser “prática”. Então, como os resultados das investigações econômicas podem ser colocados a serviço de objetivos práticos? 

Na crítica precedente, não havia intenção de se perder em minúcias. Há casos em que os interesses econômicos correm paralelos. Portanto, é lícito afirmar com segurança que, quando quer que prevaleça a harmonia de interesses, os economistas podem, universalmente, fazer recomendações válidas. 

Na realidade, alguns argumentos liberais são desse tipo. Por conseguinte, se é possível demonstrar que uma medida protecionista promoveria suborno e corrupção, existe uma pressuposição de que todos os cidadãos respeitáveis condenariam esse resultado particular de um desvio do laissez-faire. Isso, naturalmente, não impede a possibilidade de outros resultados que são julgados de forma diversa pelos interessados. Aqueles que dão importância o bastante a esses outros resultados podem, ainda, aceitar o resultado indesejável como um mal necessário. Para recorrer a outro exemplo, há freqüentemente concordância comum em certos aspectos “puramente legais” dos problemas sociais, os quais não parecem ter implicações relevantes para a política social. Muitos problemas de maior significação econômica talvez sejam também desse tipo, especialmente em Política Monetária e Bancária. Embora num  certo sentido sejam problemas práticos, eles podem ser tratados e solucionados por meio do raciocínio teórico, pois existe uma harmonia de interesses. 

Que não se tome isso como uma concessão aos chamados “princípios econômicos”. Por que dissimular o fato de acontecer que os interesses corram paralelamente a uma formulação quase-objetiva de um “princípio”? É mais simples e preciso afirmar que nós pressupomos interesses idênticos e a seguir submetemos a prova de tal hipótese. Na verdade, a honestidade requer que nós assim os exponhamos, pois pode muito bem ocorrer de nossa hipótese estar equivocada. Um método honesto de exposição não deveria tornar obscuros os pontos aos quais a crítica pode ser dirigida. 

Conforme observamos, o raciocínio econômico é com freqüência obscurecido pelo fato de que os princípios normativos não são introduzidos explicitamente, e, sim, na forma de “conceitos” gerais. Desse modo, a discussão é transferida do plano normativo para o lógico. No primeiro, existe ou harmonia ou conflito; o conflito pode tão-somente ser enunciado, mas não resolvido por meio de discussão. No plano lógico, deveríamos definir nossos conceitos com clareza e aí trabalhar com eles de modo corretamente lógico. O que é “correto” e o que é “falso” podem ser discutidos pelos métodos da lógica, ao passo que os interesses em choque podem ser reconhecidos, mas jamais solucionados cientificamente. 

Já vimos que, diversas vezes, o conceitos básicos são carregados de implicações normativas. Reiteradas tentativas foram feitas a fim de contornar os choques de interesses pela maneira na qual esses conceitos básicos se definem. entretanto, uma definição exata desses conceitos revelaria que são logicamente condicionais. Nenhuma definição pode reivindicar validade absoluta e a priori. Todas as definições são instrumentos que construímos para observar e analisar a realidade. São “instrumentais” e não se justificam por si mesmas. Operando com definições que pretendem ser universalmente válidas, freqüentemente se tem logrado fazer com que um princípio político implícito pareça logicamente “correto”. Psicologicamente, dá-se o contrário. A força emotiva que é racionalizada no princípio implícito faz o elemento normativo que foi dissimulado na definição parecer absoluto e “correto”. O perpétuo jogo de esconde-esconde em economia consiste em esconder a norma no conceito. Assim, torna-se imperativo erradicar não só os princípios explícitos como também, sobretudo, todos os juízos de valor tacitamente subentendidos nos conceitos básicos. Como estão ocultos, são mais capciosos e efêmeros, e, por conseguinte, mais aptos a gerar confusão. 

Seria errôneo crer que a necessidade de eliminar princípios normativos se encontra ausente nos domínios onde a identidade de interesses provavelmente poderia ser presumida. No que concerne à política monetária, a hipótese de uma harmonia de interesses é, talvez, mais freqüentemente realista do que naquilo que concerne a outras esferas. Isso, então, deveria ser enunciado e provado. Porém, até mesmo nesse campo tem ocorrido disputas sobre a significação “correta” de expressões como “valor do dinheiro”, “inflação”, “taxa natural de juro” e “equilíbrio do mercado de capital”. Essas controvérsias formalistas, que muitas vezes se tornam empecilhos para uma discussão realista dos interesses em jogo, naturalmente não podem ser justificadas por uma hipótese de harmonia. Não contribuem para nossa compreensão de uma harmonia, ainda que ela existisse. 

Se existe motivo para crer que os interesses são idênticos em algum caso específico, tal fato precisaria ser apurado e provado. Como premissa maior, não devia ser ocultada por um princípio a priori ou um conceito básico. As conclusões políticas só são válidas até onde essa premissa foi estabelecida como base concreta para análise. Decerto que não é evidente por si só. 

Na maior parte das questões de política econômica, há, porém, conflitos de interesse. Com efeito, isso não devia ser velado por um obscuro palavreado de princípios a priori. Nesses casos, nem um economista nem ninguém mais pode oferecer uma solução “socialmente” ou “economicamente” correta. O mau uso do método científico nas tentativas de ocultar conflitos não presta nenhum serviço à condução de políticas. Os conflitos continuam existindo, por mais veemente que seja a barreira de princípios categóricos ou conceitos básicos. 

Examinar e desenredar a complexa ação recíproca de interesses deveria constituir uma das principais tarefas da Economia aplicada. Isso porque às vezes eles convergem, às vezes entram em choque. De semelhante tarefa deveriam se encarregar os economistas, pois as complexidades do sistema de preços são tais que os interesses freqüentemente seguem linhas diferentes daquelas sugeridas por um exame superficial. Isso teria grande importância prática para reconstruir com precisão o campo social de interesses. Primeiramente, deveríamos querer saber em que ponto os interesses convergem, pois, nesses casos, poderíamos fazer imediatamente recomendações de maneira geral válidas. Deveríamos, também, querer apurar em que ponto as linhas de interesse se cruzam. Nesses casos, poderíamos oferecer soluções alternativas, cada uma correspondendo a algum interesse específico. Ambos os tipos de solução podem reivindicar objetividade, não por exprimirem normas políticas objetivas, mas por derivarem de premissas de valor explicitamente enunciadas, que correspondem a interesses reais. As soluções têm interesse prático até onde suas premissas de valor são pertinentes a controvérsias políticas, ou seja, até onde representam os interesses de grupos sociais suficientemente poderosos. 

Na Economia, sempre existiu a propensão a encobrir conflitos de interesses. Isso é perfeitamente compreensível. As inspirações filosóficas da Economia Política — a filosofia da lei natural e sua ramificação inglesa, o utilitarismo — provêm de uma crença na harmonia social, e suas recomendações práticas pressupõem essa harmonia. Como vimos, isso é o resultado lógico de sua maneira singular de construir uma filosofia moral: graças à idéia de harmonia, a conduta real e moral igualmente pode ser deduzida da “natureza humana” ou, na terminologia utilitarista, de prazer e dor. Em Economia, o conceito de harmonia é expresso pela idéia de que a atividade econômica pode ser visualizada como o processo da economia doméstica por um único sujeito social. Isso conduz à crença de que os problemas econômicos podem ser tratados “de um ponto de vista econômico”. Toda a teoria do valor tem pretensão de ser não só uma explicação da atividade econômica mas também a base para uma Economia do bem-estar, para uma teoria de valor social. A teoria do liberalismo econômico é erigida sobre essa ficção comunista. A teoria da finança pública consiste em uma tentativa semelhante para extrair máximas políticas das mesmas premissas filosóficas. Ainda que a terminologia mude, a idéia da harmonia permeia todas as ramificações e a estrutura conceitual da Economia. 

A idéia dominante do “bem-estar comum”, conforme viemos tentando demonstrar, sofre alterações com o tempo. Desde o princípio do século XIX, houve o pendor para um maior radicalismo. Originariamente, a Economia do bem-estar ou teoria social do valor foi, em geral, convertida em uma teoria de laissez-faire sem reservas, segundo a qual tudo é para o melhor no mundo; achava-se que o interesse geral requeria a manutenção do status quo, salvo pelo fato de que todas as intervenções “antinaturais” tinham de ser contidas. Sob pressão da crítica socialista — e institucionalista —, iniciou-se um recuo da interpretação conservadora da doutrina da harmonia. O laissez-faire já não era considerado de interesse da sociedade em todas as circunstâncias. Acreditou-se que havia espaço para melhorias, sobretudo em relação à renda e à distribuição da propriedade. Mas perdurou a convicção de que tais reformas e a ordem social advinda delas eram de interesse da sociedade como um todo. A harmonia de interesses não foi mais considerada aplicável ao status quo, mas sim a uma ordem social que precisava emergir. J. S. Mill introduziu essa tendência revolucionária na teoria clássica do bem-estar. Ela é igualmente metafísica, pois apóia-se na crença de que a ordem ideal, em princípio, pode ser determinada e que, se ainda não se fez isso, foi simplesmente por causa da imperfeição do conhecimento. A idéia de que é possível julgar a política social de um “ponto de vista puramente econômico” é inteiramente metafísica. De modo tácito, presume-se que existe algo tal qual o interesse da sociedade como um todo e que os interesses particulares, embora superficialmente antagônicos, são no fundo passíveis de conciliação. A mesma suposição tácita limitou a discussão dos problemas práticos aos “princípios” gerais, cujo papel procuramos explicar acima. 

A idéia da harmonia é de tal modo arrebatadora que nem mesmo autores que teriam atribuído importância fundamental ao conflito de interesses lograram furtar-se totalmente dela. Para Karl Marx, a história era uma contínua luta de classes de explorados contra exploradores. Resta, porém, um vestígio da idéia de um bem-estar comum em sua tese de que certos fenômenos sociais são conseqüência natural de certas condições de produção que se efetuam com o máximo de eficiência e, no devido tempo, convertem-se em novas condições de produção. O elemento teleológico é especialmente mais evidente em suas previsões. Inúmeros autores socialistas modernos, sobretudo aqueles que vêm tendo contato com a doutrina liberal ortodoxa, saíram-se com idéias ainda mais definidas sobre a existência de um bem-estar comum. Da mesma maneira, a teoria da distribuição de Ricardo dificilmente teria utilidade para uma justificação da teoria da harmonia. Ao contrário, ele sublinhava que os interesses de classe tendem a chocar-se e só muito raramente coincidem. Sua questão central, na verdade, dirigia-se às forças que determinam as parcelas atribuídas às várias classes no produto total. Uma classe poderia melhorar seu quinhão ao diminuir o das outras. Entretanto, quando chegou a questões políticas mais práticas, esqueceu-se de sua análise do conflito de interesses e caiu na velha tradição do laissez-faire. Um terceiro exemplo é fornecido pela escola histórica. Seus membros tiveram como ponto de partida uma crítica de espírito absolutista e doutrinário da teoria clássica. Salientavam que tudo é histórico e relativo. Acreditavam, porém, ser possível desdobrar uma política social objetiva, ainda que historicamente condicionada. Mas jamais explicaram como fazer isso. Ao alcançar problemas práticos, também eles tendiam a dissimular a existência do conflito. Também na Economia moderna esse prejuízo, historicamente compreensível, a favor da hipótese de um “interesse social”, a favor de algo que é “economicamente sadio”, é mais aparente em argumentos a respeito de política econômica e teorias que as apóiam — como a do valor — do que na análise mais científica da formação dos preços e da distribuição. Nesse último aspecto, os economistas modernos seguiram o exemplo de Ricardo. Não parece, portanto, muito difícil reconstruir o campo dos interesses econômicos e adaptá-lo ao corpo da Economia moderna. Semelhante reconstrução constituiria a condição pré- via para uma “tecnologia da Economia”, que significa uma teoria científica do modo como a política pode atender a interesses concretos. Desse ponto de vista específico, apenas a teoria da formação dos preços e da distribuição precisaria passar por reformulação. A teoria precisaria, por assim dizer, ser virada do avesso. Em vez de responder à questão de como, em determinadas condições, os preços, as rendas e outras quantidades são determinados, a teoria deveria estar apta a responder à questão de quais interferências, se as houver, seriam do interesse de quais grupos. 

A verdadeira dificuldade de erigir uma tecnologia da Economia, nesse sentido, seria que não estamos autorizados a tomar o ambiente institucional existente como dado. Por ambiente institucional, entendem-se a ordem legal e os costumes, hábitos e convenções, que são sancionados ou no mínimo tolerados por essa ordem legal. Uma análise puramente teórica da formação dos preços pode ser — e na verdade sempre foi — obtida de alterações institucionais. 

Mas, na vida real, a luta política trava-se freqüentemente no ambiente institucional. O objetivo de descobrir o campo dos interesses econômicos fica bastante ampliado se levarmos em conta a possibilidade de modificações institucionais. Enquanto nos restringirmos ao estudo de problemas de salário e de preço em determinada estrutura institucional, os interesses de um grupo de operários podem se chocar com os de outro grupo, e podem até coincidir com os interesses do empregador desse outro grupo. Porém, logo que consideramos as possibilidades mais amplas de alteração institucional, os interesses podem seguir linhas totalmente diversas. Todos os fatores institucionais que determinam a estrutura do mercado — e, com efeito, todo o sistema econômico, inclusive sua legislação tributária e social — podem ser modificados se os interessados na modificação detiverem suficiente poder político. Constelações de interesses muito diferentes seriam relevantes nesse contexto mais vasto. Ademais, a situação parecerá diferente se analisarmos as considerações a curto ou a longo prazo. 

Conseqüentemente, a investigação dos interesses econômicos deveria tratar todo o ambiente institucional como uma variável. Deveria, também, verificar até que ponto quaisquer grupos são suficientemente poderosos para efetivar alterações institucionais; e, por fim, deveria identificar as repercussões de várias modificações institucionais possíveis através do sistema de preços. 

Talvez seja enganoso falar de um sistema institucional. O melhor é falar da “condição”, “situação” ou “ambiente” institucional. Não se deveria, naturalmente, pensar nele como mera estrutura ou, em qualquer sentido, como estrutura “sistemática”. Nada tem confundido tanto as discussões e turvado as atitudes políticas como o método tradicional de pensar em termos de “sistemas”. Por exemplo: com freqüência, descreve-se nosso “sistema” econômico sendo baseado na propriedade privada. Semelhante generalização, que poderia ter alguma justificação histórica se se acrescentassem muitas ressalvas, é absolutamente desorientadora da forma como se apresenta, porque os fatores sociais que lhe são pertinentes podem ser alterados por graus, sem mudar o sistema como tal. Algumas das reformas mais eficientes visam a mudanças dentro da moldura da ordem existente de propriedade, tais como “democracia industrial”, certas reformas fiscais etc. Por outro lado, poderia-se substituir o sistema vigente por outro sem alterações consideráveis nas condições sociais respectivas. Sem dúvida, o ingênuo pensa em termos de “sistemas” e “princípios”. A influência da opinião pública é um dos motivos por que o conceitualismo metafísico (Begriffsrealismus) persiste de maneira tão obstinada nas Ciências Sociais. As idéias populares tendem a ser formalistas e a tomar erradamente a forma pela realidade. 

Não existe, na realidade, isso que se denomina um “sistema”. Quando muito, ele é um instrumento analítico para estudar fenômenos sociais. De um sistema, algumas conclusões podem ser tiradas sobre o que é ou deveria ser. Por conseguinte, não se pode deduzir o direito de herança do direito da propriedade privada. Conceitos como “direito de propriedade privada”, “liberdade de contrato”, “herança” etc., tão comuns na análise econômica abstrata, são, nesse sentido abstrato, completamente desconhecidos para advogados e sociólogos. Nunca existiu, assim, um mercado livre no sentido em que a expressão é empregada em Economia. Muito antes de existir qualquer mercado, as transações de troca haviam sido sujeitas a regras pelos detentores do poder. Esses regulamentos sempre foram necessariamente materiais e não simplesmente formais. Influenciavam o conteúdo e o resultado das transações. O “sistema” da propriedade privada é alterado por toda sessão do Parlamento e, freqüentemente, por atos judiciais. É ofício dos juristas lidar com o ambiente institucional de forma sistemática, de maneira que os profissionais da lei possam encontrar seu caminho nele. A escolha política nunca se acha entre uma série de ordens sociais abstratas, logicamente coerentes, como a teoria econômica tende a apresentar, tais como a livre-concorrência, o comunismo etc. 

A vida social resulta do desenvolvimento histórico, e é tudo menos um sistema lógico. A cada instante, nós nos deparamos com a escolha de conservar a ordem social como é ou de mudá-la. Ela pode ser modificada em uma série de diferentes direções, por diferentes maneiras e, sobretudo, em diferentes graus. Esse fato é que torna a tecnologia da Economia tão incrivelmente complexa. A teoria de formação dos preços (incluída a distribuição), que deveria nos habilitar a cartografar o campo dos interesses, ainda não é suficientemente flexível em suas bases institucionais para permitir um raio com a amplitude necessária de variações. Há muito que fazer nessa direção pela pesquisa futura. 

Em suma: os economistas pisam terreno seguro enquanto descrevem fatos reais e suas relações causais. E enquanto examinam os efeitos de certas “intervenções” nitidamente definidas, sob condições específicas. Para que a Economia se transforme em técnica prática ou tecnologia, precisaríamos analisar detalhadamente o campo dos interesses econômicos. O principal obstáculo a essa análise reside no fato de o ambiente institucional não ser determinado, mas mutável em várias direções e graus. Além disso, devemos conhecer a distribuição de poder entre os grupos sociais, a fim de estimar quais alterações institucionais são exeqüíveis. 

A tecnologia da Economia deveria refletir possíveis estratégias em um “jogo de guerra”. Teria importância prática se aclarasse o possível curso de desenvolvimentos futuros e tendências prováveis. Poderia ser aplicada também para esclarecer a relação entre vários programas e os interesses dos grupos que os patrocinam. 

Desse modo, seria possível notar que certas políticas são mal-concebidas ou destinadas ao fracasso desde o início. Nesse sentido, as intenções políticas poderiam ser esclarecidas e orientadas. Um estudo tal das políticas de Economia poderia ter a pretensão de ser objetivo, justamente porque não faz recomendações, salvo as que seguiram algum interesse especificado, claramente expresso. Pelo mesmo motivo, não poderia, de forma alguma, produzir conclusões válidas no sentido de postulados de uma conduta economicamente correta como tal, exceto possivelmente na esfera restrita em que se pode demonstrar que os interesses são idênticos. 

Semelhante tecnologia econômica insere-se na melhor tradição da Economia Política, que sempre objetivou a política social. Mas deveria tornar-se mais relativista, ou seja, deveria relacionar-se com premissas de valor explícitas e concretas. Se essa ciência da Economia Política, após ter-se tornado condicional e relativista, precisa ter qualquer significação prática, as premissas de valor escolhidas devem expressar os interesses de todos os grupos sociais poderosos. Isso requer uma análise do campo dos interesses sociais. O problema crucial, entretanto, está em descobrir esses interesses, levando-se em conta, ao mesmo tempo, todas as modificações institucionais que forem exeqüíveis sob pressão política. 

Não fosse por dificuldades ainda maiores, se poderia esperar que a tecnologia da Economia progredisse de maneira satisfatória. Até o momento, contudo, temos evitado a dificuldade mais fundamental. Infelizmente — ou talvez felizmente — as ações humanas não são motivadas exclusivamente por interesses econômicos. O conceito em si, ainda que popular entre economistas, apresenta certas dificuldades quando é submetido a uma inspeção mais acurada. O “interesse econômico” presumivelmente significa o desejo de rendas mais elevadas e de preços mais baixos e, além disso, talvez estabilidade de proventos de emprego, tempo razoável para o lazer e um ambiente conducente ao seu uso satisfatório, boas condições de trabalho etc. Mas, mesmo com todas essas ressalvas, as aspirações políticas não podem ser identificadas com esses interesses. O povo também se interessa por objetivos sociais. Acredita em ideais aos quais deseja que sua sociedade se amolde. 

Os cidadãos não se envolvem em guerras meramente para defender seus interesses econômicos, por mais que superestimem sua importância. Por outro lado, seria um equívoco achar que a luta por salários mais elevados ou mesmo pela segurança e outras vantagens materiais é a força motriz do movimento da classe operária. Devemos recordar suas origens na Revolução Industrial. Inicialmente uma classe nova e em crescimento, viu-se concentrada em áreas industriais urbanas. Foi-lhe então impingido um estilo de vida padronizado. Essa classe tornou-se ciente de certos conflitos de desigualdades que haviam sido previamente, na tradição patriarcal, aceitas como “naturais”. A idade do Iluminismo e a Revolução Francesa disseminaram novas idéias de direito e de justiça. Tendo emergido de um sentimento de inferioridade e desajustamento, afloraram a necessidade revolucionária de igualdade e uma consciência de solidariedade de classe. Ambas encontraram um poderoso eco na democracia política, à medida que esta se desenvolveu. Reivindicações por salários mais elevados, menos horas de trabalho etc., são naturalmente importantes como tais, mas também expressam um desejo mais geral de poder. Constituem um apelo de justiça por parte de uma classe oprimida. O sentimento de ser oprimido é o fator relevante. Ainda se houvesse pouca esperança de salários mais elevados, a luta prosseguiria. Os trabalhadores continuariam a reivindicar mais poder e voz ativa na administração, mesmo se soubessem que isso não aumentaria a produtividade ou os salários. Em última análise, eles buscam algo mais que dinheiro. O que conta, igualmente, é o orgulho de seu trabalho, o amor-próprio e sua dignidade como seres humanos. É provável que nenhuma greve expressiva possa ser explicada, do ponto de vista psicológico, como sendo simplesmente uma greve por melhores salários. 

Enquanto esse processo sociológico transcorre, padrões morais diferentes são desenvolvidos por grupos diferentes. Aos olhos de um trabalhador que tenha consciência de classe, os que não se filiam a sindicatos são traidores. Essa condenação moral não resulta apenas de considerações de conveniência na luta por salários. Por outro lado, aos olhos de um petit-bourgeois típico, um fura-greves é quase um herói, um campeão da liberdade e da santidade da livre-concorrência. 

Esse fato é de suma importância para nosso problema. Uma tecnologia da Economia não deveria ser assentada sobre interesses econômicos, mas sobre atitudes sociais. “Atitude” significa a disposição emotiva de um indivíduo ou grupo para reagir de certas maneiras a situações reais ou potenciais. 

O que foi ilustrado acima não fez mais que assinalar algumas fontes emocionais de atitudes sociais e algumas de suas manifestações externas. Faz-se necessário frisar que geralmente é falso representar atitudes políticas como interesses. Os interesses estão sempre mesclados com sentimentos morais. Estes últimos às vezes podem reforçar uma atitude baseada sobretudo no interesse, controlando assim os componentes emotivos da atitude. Em outras ocasiões, a força emocional mobiliza-se na direção oposta e contrária aos interesses. Felizmente, existe muita gente cuja atitude não é idêntica a seus interesses. 

Existem também outros empecilhos para a determinação acurada de atitudes. Em primeiro lugar, não podemos acreditar sempre no que nos dizem. Quando somos chamados a prestar contas de nossas convicções políticas, estamos sujeitos a proferir frases inconsistentes, estereotipadas e convencionais, que podem ter pouca relação com nosso comportamento real. Por isso, os sociólogos americanos descobriram que as declarações das pessoas quanto a suas opiniões sobre o problema do negro têm pouco a ver com seu comportamento cotidiano; ou, para fazer uma ilustração mais familiar aos economistas: um fenômeno bem conhecido é aquele do homem de negócios que está “organizando” e monopolizando seus mercados. Em geral, está persuadido de que seus princípios comerciais são sadios, que não só lhe aumentam a renda mas também “adaptam” o consumo à produção e vice-versa. Acredita firmemente que preenche uma função social importante. Entretanto, quando forem discutidas questões mais gerais, não imediatamente relacionadas com suas próprias atividades, esse mesmo indivíduo expressará opiniões que parecem provir diretamente dos fisiocratas e de Adam Smith. Tais convicções são igualmente sustentadas com boa-fé. Ele defenderá a livre-concorrência, a liberdade de atividades comerciais e a liberdade em geral como um princípio de política econômica e como um direito moral. Suas profissões de fé não têm associação com sua conduta. Na prática, o mesmo homem poderia propagar intervenções e regulamentações políticas em larga escala. Suas opiniões confessas são “defasagens culturais”, rudimentos de convenções captados de doutrinas econômicas mortas. Muitas vezes, são também slogans de classe, emblemas da filiação associativa de certos grupos na sociedade. Os retratos acima devem bastar, mas isso também é verdadeiro para outras classes. Os proprietários de terra, exatamente como os trabalhadores, têm seus slogans prediletos. 

Tais frases, que naturalmente entram nos programas políticos, não podem ser usadas diretamente por uma tecnologia econômica; em parte porque são um tanto vagas, em parte porque não têm sentido, ou pelo menos nenhuma significação que não seja ambígua, para com as atitudes reais de indivíduos que se deparam com decisões políticas concretas. Todavia, para nosso propósito é essencial conhecer exatamente essas atitudes, à medida que determinam o comportamento real em situações concretas. Por certo que não podemos deduzir tais razões diretamente de profissões de fé gerais. 

Isso não significa que as profissões de fé que não tenham relações claramente definidas com atitudes reais em decisões concretas não tenham absolutamente influência sobre as últimas. Acontece, ainda que talvez com pouca freqüência, de serem ideais predominantes aos quais o povo deixa de se amoldar. Justamente por causa de seu caráter vago e poder emotivo, elas também constituem um meio especialmente apropriado de sugestão política. Contudo, a conexão entre manifestação e ação é até certo ponto complicada, e em cada caso seria necessário proceder a investigações psicológicas pormenorizadas. Há também outros motivos competidores muito mais fortes para as ações resultantes. Nenhum elo direto pode ser deduzido entre o modo mediante o qual o povo pensa e fala e suas atitudes. 

Se nos restringimos à situação real, podemos, de maneira compreensível, deduzir atitudes de observações do comportamento real. Porém, como a tecnologia da Economia com uma pretensão a produzir resultados significativos deve incluir a análise de situações potenciais, a determinação dos interesses relevantes suscita problemas bastante complexos de Psicologia Social. 

Mesmo que lográssemos ultrapassar a verborragia para chegar até as reações prováveis das pessoas diante de situações políticas concretas, ainda assim, isso não definiria o campo pertinente de atitudes, porque essas reações são em grande parte baseadas sobre noções errôneas de fenômenos sociais e suas relações. Uma tecnologia da Economia não deveria aceitar atitudes que se apóiam em concepções erradas do mundo real. O ideal seria que ela tivesse de construir sobre atitudes que teriam os indivíduos com falsas opiniões, dadas as suas disposições emocionais gerais, se eles conhecessem todos os fatos; ou, para tornar a condição mais razoável, se soubessem tudo o que é de fato sabido pelos peritos contemporâneos. Assim, nos vemos perante a tarefa de deduzir de atitudes reais observadas aquelas atitudes potenciais que vários grupos assumiriam em situações potenciais, na hipótese realista de que desfrutavam de uma compreensão mais clara dos fenômenos econômicos. 

Todavia, isso não pode se realizar por meio de um processo lógico. Teríamos de supor a existência de uma conexão lógica entre as estimativas de um indivíduo em diferentes situações, ou seja, a possibilidade, dada a sua convicção política que se baseia em certas idéias sobre os fatos, de deduzir diretamente a convicção que resultaria de outras idéias sobre os fatos. Mas essas conclusões requerem muitas providências intermediárias, sendo que algumas de caráter psicológico. Mais uma vez, nós nos defrontamos com um problema de Psicologia Social e não simplesmente de lógica. 

Uma passagem de Max Weber, em que procura definir os limites do raciocínio científico em questões de política econômica, pode servir para ilustrar esse ponto. “A única questão é saber em que sentido uma discussão científica a respeito de ‘deve’ é possível. Primeiramente, posso responder a alguém que faz um julgamento particular de valor: o senhor está errado a propósito do que realmente deseja. Se tomo seu julgamento de valor e o analiso de maneira lógica, se lhe demonstro os axiomas definitivos sobre os quais ele se apóia, poderíamos descobrir que eles implicam certos julgamentos de valor definitivos possíveis que poderiam ser incompatíveis um com o outro ou com seu juízo explícito. O senhor precisaria chegar a um acordo ou poderia ter de escolher um e sacrificar outros; de qualquer modo, o senhor deve escolher. Fazer essa observação não é uma tarefa empírica, mas sim, lógica.” 

Isso implicaria admitir que é possível chegar, por meio da análise de determinado julgamento de valor, a axiomas definitivos, os quais, naturalmente, não se pretendem valores objetivos; são axiomáticos somente para a pessoa que aceita o julgamento de valor explícito do qual partiu a análise. A “escolha” feita pelo indivíduo então seria meramente uma aplicação particular do axioma de valor assim deduzido. Os conflitos que Weber tem em mente são conflitos lógicos. Em sua opinião, existe uma conexão lógica entre julgamentos de valor, no sentido de serem passíveis de crítica pela aplicação do critério de compatibilidade. O resultado aparente disso seria que poderíamos deduzir de juízos políticos baseados em concepções existentes mais inadequadas da realidade aqueles juízos que seriam ou deveriam racionalmente ser elaborados sobre concepções mais completas e corretas da realidade. Seria suficiente presumir como conhecidos os juízos de valor e as concepções da realidade só em uma situação. 

Nesse ponto, porém, Weber não é inteiramente claro. Também se poderia interpretar o trecho citado como uma refutação de tal método. Ele implica a existência de uma incompatibilidade lógica entre os julgamentos de valor definidos que são alcançados por inferência, ou entre alguns dos últimos e os julgamentos de valor explícitos. Nesse caso, a “escolha” constituiria uma estimativa nova e independente. 

A despeito do que Weber quisesse dizer, uma coisa é certa: não existe, na realidade, conexão lógica entre os juízos de valor feitos pelos indivíduos; não existe hierarquia lógica dominada por axiomas definitivos. A hierarquia lógica existente é resultado da racionalização, e a racionalização por si só não determina comportamento ou atitudes humanas. O desejo de pensar em juízos morais como se fossem logicamente coerentes é um legado da época dos sistemas metafísicos. A hipótese de ordem lógica era condição imprescindível para a tentativa do tratamento científico da moralidade. Sem levar em conta a questão de saber se deveria haver uma ordem lógica de julgamentos de valor, não podemos, para o nosso propósito, presumir uma delas. De outra maneira, a tecnologia da Economia poderia incorrer novamente no debate tradicional acerca de princípios primeiros. Ela deveria ater-se a grupos de atitudes empiricamente observáveis, inclusive atitudes potenciais que se tornariam reais em certas condições especificadas cuidadosamente. 

Tal crítica a Weber não significa que não há nenhuma relação entre as atitudes de um grupo em diferentes situações. Desse modo, em princípio, seria impossível cartografar as atitudes pertinentes e uma tecnologia da Economia seria uma tentativa despida de sentido. Tais relações claramente existem, contudo, são psicológicas e não lógicas. No caso de um único indivíduo, a conexão entre diferentes atitudes em diferentes situações é designada “personalidade” ou “caráter”. Nosso problema, portanto, integra a psicologia do caráter e, como nossa preocupação são os grupos sociais, trata-se de um problema da psicologia social do caráter de grupos. A tecnologia da Economia é uma ramificação da Sociologia moderna, orientada psicologicamente. 

É duvidoso que a Sociologia esteja apta a nos fornecer, dentro de um futuro previsível, um alicerce firme para a tecnologia da Economia. Por muito tempo ainda, teremos de nos satisfazer com generalizações de certo modo vagas. Todavia, é interessante que essas generalizações venham sendo experimentadas, ainda que restritas de várias formas. Com isso, as investigações, digamos, sobre o caráter da psicologia da classe operária ou dos agricultores, em um país, por mais experimentais que fossem, propiciariam uma base para o tratamento empírico de problemas políticos em termos de estimativas reais desses importantes grupos sociais. Duas exigências teriam de garantir que a tecnologia da Economia não fosse desembocar na Metafísica tradicional; a primeira é que deveria formular sempre suas premissas de valor explicitamente, em termos concretos, e relacioná-las com as estimativas reais de grupos sociais: a segunda é que, ao formular as atitudes pertinentes, os problemas já mencionados da Psicologia Social não deveriam ser olvidados. Se os resultados têm probabilidade de ser vagos e insatisfatórios por algum tempo, deveríamos ter sempre em mente o apelo de Sidgwick para tornar os nossos conceitos e hipóteses tão precisos quanto possível, mesmo que isso privasse nossas conclusões da precisão. É muito fácil conseguir resultados claros e exatos enquanto a maneira como são alcançados for turvada. 

Até aqui, presumimos que as atitudes pertinentes são determinadas e fixas, de modo a podermos empregá-las como ponto de partida para nossa tecnologia da Economia, quando quer que as consigamos descobrir. A dificuldade final é que essas atitudes, em si, são suscetíveis a alteração. 

Antigamente, essa dificuldade tinha pouca importância. Uma vez formadas, as atitudes só se modificavam gradativamente. Os políticos ainda não haviam descoberto que as políticas de longo prazo podem visar não só a fazer uso das atitudes existentes mas também a criar novas. Além disso, as experiências da guerra estimularam muito a expansão da propaganda. 

Podem-se criar as atitudes conscientemente de duas formas, de acordo com a geração a ser influenciada. No final das contas, a propaganda mais eficiente deve dirigir-se à jovem geração. Os modernos psicólogos infantis tendem a acreditar que, com métodos apropriados, as atitudes de uma criança diante da vida podem ser moldadas dentro de limites bastante amplos para qualquer fim praticamente aplicável. Também afirmam que a educação neutra é uma contradição em termos. Cada geração cria consciente ou inconscientemente a concepção de vida da geração seguinte. A velha geração pode ser tão inábil que o resultado de sua educação, por meio de sugestão negativa, ressentimento etc., seja bastante divergente de suas intenções. 

Como era esperado, as ditaduras da Rússia e da Itália foram as primeiras a assimilar a lição da doutrinação consciente. Nesses dois países, a doutrinação política calculada talvez seja a parte mais interessante das experiências sociais do comunismo e do fascismo. Seu sucesso ou fracasso pode ter conseqüências mais abrangentes do que muita gente estaria agora disposta a aceitar. Depois da Rússia e da Itália, são os Estados Unidos que colocam em prática mais conscienciosamente a doutrinação política. Pode parecer estranho, já que os Estados Unidos são, em certo sentido, a nação mais individualista do mundo. Mas tiveram de absorver e assimilar povos de muitos países diferentes. Como conseqüência, dificilmente existirá outra nação no mundo — com exceção da Rússia e da Itália — onde, a despeito das grandes diferenças de legado cultural e de vastas distâncias geográficas e abismos sociais, o jovem cresça com atitudes e convicções mais uniformes e padronizadas. 

Ao mesmo tempo, a opinião adulta também é trabalhada. O desenvolvimento das técnicas de anunciar e a necessidade de manter o moral do país na guerra conduziram ao aprimoramento da propaganda. Todo canal de comunicação pode ser utilizado, aberta ou secretamente, para exercer influência política. A propaganda mais eficiente estimula primeiro as emoções e depois se vale da receptividade assim criada para manipular atitudes por sugestão. 

Com toda probabilidade, isso terá importância cada vez maior no futuro e enfraquecerá a base da tecnologia da Economia, tornando mais difícil determinar as atitudes pertinentes. Como ciência, a Economia não está preocupada com o problema político da modelagem de atitudes. Ela não pode se pronunciar a respeito de questões de valor. A tecnologia da Economia deve tomar certas atitudes como dadas e não pode estabelecer o que elas deveriam ser. Mas pode colaborar para manter a luta política num plano mais honesto. À medida que o público lhe dedica alguma atenção, ela pode evitar que suas atitude se baseiem em conceitos falsos acerca dos fatos e, sobretudo, acerca das relações entre grupos econômicos. Uma situação, na qual esse tipo de saneamento intelectual seria ainda mais importante do que atualmente, poderia emergir se o Estado ou grupos poderosos que detêm o controle de suficientes recursos materiais e técnicas necessárias desejassem utilizar a máquina da propaganda para perverter a opinião pública. As experiências da guerra de propaganda e das eleições modernas sugerem que isso não seria impossível. À luz dessas tentativas, as políticas de interesses abertos de classes, tão vilipendiadas em condições mais serenas, pareceriam um método mais honesto. 

As Ciências Sociais, em tais condições, seriam submetidas a um teste crítico. A propaganda que pretende não só modificar as atitudes emocionais dos cidadãos mas também distorcer sua concepção de realidade — e essa é a essência da propaganda moderna —, deve entrar em conflito com o ethos científico, qualquer que seja o partido político de onde surjam essas tentativas. A resistência mais efetiva seria a instrução e a educação nas Ciências Sociais, com acentuada orientação prática. Em tais condições, se não antes, seria demonstrado como é perigoso não usar de clareza no que tange ao caráter e aos fundamentos do conhecimento social. Na sociedade existem forças que operam contra o desejo de clareza do cientista. E elas podem considerar os assim chamados conceitos e princípios fundamentais sendo instrumentos úteis para seus propósitos. Então, para aqueles que são a favor da lucidez e da honestidade, se tornará ainda mais urgente despojar essas especulações de suas pretensões científicas. 

Só se forem modestos em suas afirmativas e renunciarem a todas as pretensões de postular leis e normas universais, os economistas poderão promover de maneira efetiva seus objetivos práticos, isto é, manter racionais os argumentos políticos, o que equivale a baseá-los em um conhecimento dos fatos tão completo e correto quanto possível. 

Porém não será, por si só, um princípio normativo a proposição de que a política deveria ser racional nesse sentido e de que os economistas deveriam apoiar esse esforço? E não é arbitrário justamente por isso? Por que não sacrificar a “verdade” em prol de valores mais elevados? 

A resposta a essa pergunta é que a possibilidade de esforços científicos depende da hipótese tácita de que o argumento racional é conveniente.

Fonte: MYRDAL, Gunnar (1986 [1930]). Aspectos Políticos da Teoria Econômica. São paulo: Abril Cultural. pp. 159-170.



Imagem relacionadaI was brought up, like most Englishmen, to respect free trade not only as an economic doctrine which a rational and instructed person could not doubt, but almost as a part of the moral law. I regarded ordinary departures from it as being at the same time an imbecility and an outrage. I thought England's unshakable free trade convictions, maintained for nearly a hundred years, to be both the explanation before man and the justification before Heaven of her economic supremacy. As lately as 1923 I was writing that free trade was based on fundamental "truths" which, stated with their due qualifications, no one can dispute who is capable of understanding the meaning of the words." Looking again to-day at the statements of these fundamental truths which I then gave, I do not find myself disputing them. Yet the orientation of my mind is changed; and I share this change of mind with many others. Partly, indeed my background of economic theory is modified; I should not charge Mr. Baldwin, as I did then, with being "a victim of the Protectionist fallacy in its crudest form" because he believed that, in the existing conditions, a tariff might do something to diminish British unemployment. But mainly I attribute my change of outlook to something else--to my hopes and fears and preoccupations, along with those of many or most, I believe, of this generation throughout the world, being different from what they were. It is a long business to shuffle out of the mental habits of the prewar nineteenth-century world. It is astonishing what a bundle of obsolete habiliments one's mind drags round even after the centre of consciousness has been shifted. But to-day at last, one-third of the way through the twentieth century, we are most of us escaping from the nineteenth; and by the time we reach its mid-point, it may be that our habits of mind and what we care about will be as different from nineteenth-century methods and values as each other century's has been from its predecessor's. It may be useful, therefore, to attempt some sort of a stocktaking, of an analysis, of a diagnosis to discover in what this change of mind essentially consists, and finally to inquire whether, in the confusion of mind which still envelops this new-found enthusiasm of change, we may not be running an unnecessary risk of pouring out with the slops and the swill some pearls of characteristic nineteenth century wisdom. What did the nineteenth-century free traders, who were among the most idealistic and disinterested of men, believe that they were accomplishing? They believed--and perhaps it is fair to put this first--that they were being perfectly sensible, that they alone of men were clear-sighted, and that the policies which sought to interfere with the ideal international division of labor were always the offspring of ignorance out of self-interest. In the second place, they believed that they were solving the problem of poverty, and solving it for the world as a whole, by putting to their best uses, like a good housekeeper, the world's resources and abilities. They believed, further, that they were serving, not merely the survival of the economically fittest, but the great cause of liberty, of freedom for personal initiative and individual gift, the cause of inventive art and the glorious fertility of the untrammelled mind against the forces of privilege and monopoly and obsolescence. They believed, finally, that they were the friends and assurers of peace and international concord and economic justice between nations and the diffusers of the benefits of progress. And if to the poet of that age there sometimes came strange desires to wander far away where never comes the trader and catch the wild goat by the hair, there came also with full assurance the comfortable reaction— I, to herd with narrow foreheads, vacant of our glorious gains, Like a beast with lower pleasures, like a beast with lower pains! What fault have we to find with this? Taking it at its surface value--none. Yet we are not, many of us, content with it as a working political theory. What is wrong? We shall discover the source of our doubts, I think, not through a frontal attack, but by perambulation--by wandering round a different way to find the place of our political heart's desire. To begin with the question of peace. We are pacifist today with so much strength of conviction that, if the economic internationalist could win this point, he would soon recapture our support. But it does not now seem obvious that a great concentration of national effort on the capture of foreign trade, that the penetration of a country's economic structure by the resources and the influence of foreign capitalists, and that a close dependence of our own economic life on the fluctuating economic policies of foreign countries are safeguards and assurances of international peace. It is easier, in the light of experience and foresight, to argue quite the contrary. The protection of a country's existing foreign interests, the capture of new markets, the progress of economic imperialism--these are a scarcely avoidable part of a scheme of things which aims at the maximum of international specialization and at the maximum geographical diffusion of capital wherever its seat of ownership. Advisable domestic policies might often be easier to compass, if the phenomenon known as "the flight of capital" could be ruled out. The divorce between ownership and the real responsibility of management is serious within a country, when, as a result of joint stock enterprise, ownership is broken up among innumerable individuals who buy their interest to-day and sell it to-morrow and lack altogether both knowledge and responsibility towards what they momentarily own. But when the same principle is applied internationally, it is, in times of stress, intolerable--I am irresponsible towards what I own and those who operate what I own are irresponsible towards me. There may be some financial calculation which shows it to be advantageous that my savings should be invested in whatever quarter of the habitable globe shows the greatest marginal efficiency of capital or the highest rate of interest. But experience is accumulating that remoteness between ownership and operation is an evil in the relations among men, likely or certain in the long run to set up strains and enmities which will bring to nought the financial calculation. I sympathize, therefore, with those who would minimize, rather than with those who would maximize, economic entanglement among nations. Ideas, knowledge, science, hospitality, travel--these are the things which should of their nature be international. But let goods be homespun whenever it is reasonably and conveniently possible, and, above all, let finance be primarily national. Yet, at the same time, those who seek to disembarrass a country of its entanglements should be very slow and wary. It should not be a matter of tearing up roots but of slowly training a plant to grow in a different direction. For these strong reasons, therefore, I am inclined to the belief that, after the transition is accomplished, a greater measure of national self-sufficiency and economic isolation among countries than existed in 1914 may tend to serve the cause of peace, rather than otherwise. At any rate, the age of economic internationalism was not particularly successful in avoiding war; and if its friends retort, that the imperfection of its success never gave it a fair chance, it is reasonable to point out that a greater success is scarcely probable in the coming years. Let us turn from these questions of doubtful judgment, where each of us will remain entitled to his own opinion, to a matter more purely economic. In the nineteenth century the economic internationalist could probably claim with justice that his policy was tending to the world's great enrichrnent, that it was promoting economic progress, and that its reversal would have seriously impoverished both ourselves and our neighbors. This raises a question of balance between economic and non-economic advantage which is never easily decided. Poverty is a great evil; and economic advantage is a real good, not to be sacrificed to alternative real goods unless it is clearly of an inferior weight. I am ready to believe that in the nineteenth century two sets of conditions existed which caused the advantages of economic internationalism to outweigh disadvantages of a different kind. At a time when wholesale migrations were populating new continents, it was natural that the men should carry with them into the New Worlds the material fruits of the technique of the Old, embodying the savings of those who were sending them. The investment of British savings in rails and rolling stock to be installed by British engineers to carry British emigrants to new fields and pastures, the fruits of which they would return in due proportion to those whose frugality had made these things possible, was not economic internationalism remotely resembling in its essence the part ownership of a German corporation by a speculator in Chicago, or of the municipal improvements of Rio Janeiro by an English spinster. Yet it was the type of organization necessary to facilitate the former which has eventually ended up in the latter. In the second place, at a time when there were enormous differences in degree in the industrialization and opportunities for technical training in different countries, the advantages of a high degree of national specialization were very considerable. But I am not persuaded that the economic advantages of the international division of labor to-day are at all comparable with what they were. I must not be understood to carry my argument beyond a certain point. A considerable degree of international specialization is necessary in a rational world in all cases where it is dictated by wide differences of climate, natural resources, native aptitudes, level of culture and density of population. But over an increasingly wide range of industrial products, and perhaps of agricultural products also, I have become doubtful whether the economic loss of national self-sufficiency is great enough to outweigh the other advantages of gradually bringing the product and the consumer within the ambit of the same national, economic, and financial organization. Experience accumulates to prove that most modem processes of mass production can be performed in most countries and climates with almost equal efficiency. Moreover, with greater wealth, both primary and manufactured products play a smaller relative part in the national economy compared with houses, personal services, and local amenities, which are not equally available for international exchange; with the result that a moderate increase in the real cost of primary and manufactured products consequent on greater national self-sufficiency may cease to be of serious consequence when weighed in the balance against advantages of a different kind. National self-sufficiency, in short, though it costs something, may be becoming a luxury which we can afford, if we happen to want it. Are there sufficient good reasons why we may happen to want it? There are many friends of mine, nurtured in the old school and reasonably offended by the waste and economic loss attendant on contemporary economic nationalism in being, to whom the tendency of these remarks will be pain and grief. Yet let me try to indicate to them in term's with which they may sympathize the reasons which I think I see. The decadent international but individualistic capitalism, in the hands of which we found ourselves after the war, is not a success. It is not intelligent, it is not beautiful, it is not just, it is not virtuous--and it doesn't deliver the goods. In short, we dislike it, and we are beginning to despise it. But when we wonder what to put in its place, we are extremely perplexed. Each year it becomes more obvious that the world is embarking on a variety of politicoeconomic experiments, and that different types of experiment appeal to different national temperaments and historical environments. The nineteenth-century free trader's economic internationalism assumed that the whole world was, or would be, organized on a basis of private competitive capitalism and of the freedom of private contract inviolably protected by the sanctions of law--in various phases, of course, of complexity and development, but conforming to a uniform type which it would be the general object to perfect and certainly not to destroy. Nineteenth-century protectionism was a blot upon the efficiency and good sense of this scheme of things, but it did not modify the general presumption as to the fundamental characteristics of economic society. But to-day one country after another abandons these presumptions. Russia is still alone in her particular experiment, but no longer alone in her abandonment of the old presumptions. Italy, Ireland, Germany have cast their eyes, or are casting them, towards new modes of political economy. Many more countries after them, I predict, will seek, one by one, after new economic gods. Even countries such as Great Britain and the United States, which still conform par excellence to the old model, are striving, under the surface, after a new economic plan. We do not know what will be the outcome. We are--all of us, I expect--about to make many mistakes. No one can tell which of the new systems will prove itself best. But the point for my present discussion is this. We each have our own fancy. Not believing that we are saved already, we each should like to have a try at working out our own salvation. We do not wish, therefore, to be at the mercy of world forces working out, or trying to work out, some uniform equilibrium according to the ideal principles, if they can be called such, of laissez-faire capitalism. There are still those who cling to the old ideas, but in no country of the world to-day can they be reckoned as a serious force. We wish--for the time at least and so long as the present transitional, experimental phase endures--to be our own masters, and to be as free as we can make ourselves from the interferences of the outside world. Thus, regarded from this point of view, the policy of an increased national selfsufficiency is to be considered, not as an ideal in itself, but as directed to the creation of an environment in which other ideals can be safely and conveniently pursued. Let me give as dry an illustration of this as I can devise, chosen because it is connected with ideas with which recently my own mind has been largely preoccupied. In matters of economic detail, as distinct from the central controls, I am in favor of retaining as much private judgment and initiative and enterprise as possible. But I have become convinced that the retention of the structure of private enterprise is incompatible with that degree of material well-being to which our technical advancement entitles us, unless the rate of interest falls to a much lower figure than is likely to come about by natural forces operating on the old lines. Indeed, the transformation of society, which I preferably envisage, may require a reduction in the rate of interest towards vanishing point within the next thirty years. But under a system by which the rate of interest finds a uniform level, after allowing for risk and the like, throughout the world under the operation of normal financial forces, this is most unlikely to occur. Thus for a complexity of reasons, which I cannot elaborate in this place, economic internationalism embracing the free movement of capital and of loanable funds as well as of traded goods may condemn my own country for a generation to come to a much lower degree of material prosperity than could be attained under a different system. But this is merely an illustration. It is my central contention that there is no prospect for the next generation of a uniformity of economic system throughout the world, such as existed, broadly speaking, during the nineteenth century; that we all need to be as free as possible of interference from economic changes elsewhere, in order to make our own favorite experiments towards the ideal social republic of the future; and that a deliberate movement towards greater national self-sufficiency and economic isolation will make our task easier, in so far as it can be accomplished without excessive economic cost. There is one more explanation, I think, of the re-orientation of our minds. The nineteenth century carried to extravagant lengths the criterion of what one can call for short "the financial results," as a test of the advisability of any course of action sponsored by private or by collective action. The whole conduct of life was made into a sort of parody of an accountant's nightmare. Instead of using their vastly increased material and technical resources to build a wonder city, the men of the nineteenth century built slums; and they thought it right and advisable to build slums because slums, on the test of private enterprise, "paid," whereas the wonder city would, they thought, have been an act of foolish extravagance, which would, in the imbecile idiom of the financial fashion, have "mortgaged the future"--though how the construction today of great and glorious works can impoverish the future, no man can see until his mind is beset by false analogies from an irrelevant accountancy. Even to-day I spend my time--half vainly, but also, I must admit, half successfully--in trying to persuade my countrymen that the nation as a whole will assuredly be richer if unemployed men and machines are used to build much needed houses than if they are supported in idleness. For the minds of this generation are still so beclouded by bogus calculations that they distrust conclusions which should be obvious, out of a reliance on a system of financial accounting which casts doubt on whether such an operation will "pay." We have to remain poor because it does not "pay" to be rich. We have to live in hovels, not because we cannot build palaces but because we cannot "afford" them. The same rule of self-destructive financial calculation governs every walk of life. We destroy the beauty of the countryside because the unappropriated splendors of nature have no economic value. We are capable of shutting off the sun and the stars because they do not pay a dividend. London is one of the richest cities in the history of civilization, but it cannot "afford" the highest standards of achievement of which its own living citizens are capable, because they do not "pay." If I had the power to-day, I should most deliberately set out to endow our capital cities with all the appurtenances of art and civilization on the highest standards of which the citizens of each were individually capable, convinced that what I could create, I could afford--and believing that money thus spent not only would be better than any dole but would make unnecessary any dole. For with what we have spent on the dole in England since the war we could have made our cities the greatest works of man in the world. Or again, we have until recently conceived it a moral duty to ruin the tillers of the soil and destroy the age-long human traditions attendant on husbandry, if we could get a loaf of bread thereby a tenth of a penny cheaper. There was nothing which it was not our duty to sacrifice to this Moloch and Mammon in one; for we faithfully believed that the worship of these monsters would overcome the evil of poverty and lead the next generation safely and comfortably, on the back of compound interest, into economic peace. To-day we suffer disillusion, not because we are poorer than we were--on the contrary, even to-day we enjoy, in Great Britain at least, a higher standard of life than at any previous period--but because other values seem to have been sacrificed and because they seem to have been sacrificed unnecessarily, inasmuch as our economic system is not, in fact, enabling us to exploit to the utmost the possibilities for economic wealth afforded by the progress of our technique, but falls far short of this, leading us to feel that we might as well have used up the margin in more satisfying ways. But once we allow ourselves to be disobedient to the test of an accountant's profit, we have begun to change our civilization. And we need to do so very warily, cautiously, and self-consciously. For there is a wide field of human activity where we shall be wise to retain the usual pecuniary tests. It is the state, rather than the individual, which needs to change its criterion. It is the conception of the Secretary of the Treasury as the chairman of a sort of joint stock company which has to be discarded. Now, if the functions and purposes of the state are to be thus enlarged, the decision as to what, broadly speaking, shall be produced within the nation and what shall be exchanged with abroad, must stand high among the objects of policy. From these reflections on the proper purposes of the state, I return to the world of contemporary politics. Having sought to understand and to do full justice to the ideas which underlie the urge felt by so many countries to-day towards greater national selfsufficiency, we have to consider with care whether in practice we are not too easily discarding much of value which the nineteenth century achieved. In those countries where the advocates of national self sufficiency have attained power, it appears to my judgment that, without exception, many foolish things are being done. Mussolini, perhaps, is acquiring wisdom teeth. But Russia to-day exhibits the worst example which the world, perhaps, has ever seen, of administrative incompetence and of the sacrifice of almost everything that makes life worth living to wooden heads. Germany is at the mercy of unchained irresponsibles--though it is too soon to judge her. The Irish Free State, a unit much too small for a high degree of national self-sufficiency except at great economic cost, is discussing plans which might, if they were carried out, be ruinous. Meanwhile those countries which maintain or are adopting straightforward protectionism of the old-fashioned type, refurbished with the addition of a few of the new plan quotas, are doing many things incapable of rational defense. Thus, if the World Economic Conference achieves a mutual reduction of tariffs and prepares the way for regional agreements, it will be matter for sincere applause. For I must not be supposed to be endorsing all those things which are being done in the political world today in the name of economic nationalism. Far from it. But I bring my criticisms to bear, as one whose heart is friendly and sympathetic to the desperate experiments of the contemporary world, who wishes them well and would like them to succeed, who has his own experiments in view, and who in the last resort prefers anything on earth to what the financial reports are wont to call "the best opinion in Wall Street." And I seek to point out that the world towards which we are uneasily moving is quite different from the ideal economic internationalism of our fathers, and that contemporary policies must not be judged on the maxims of that former faith. I see three outstanding dangers in economic nationalism and in the movements towards national self-sufficiency, imperilling their success. The first is Silliness--the silliness of the doctrinaire. It is nothing strange to discover this in movements which have passed somewhat suddenly from the phase of midnight highflown talk into the field of action. We do not distinguish, at first, between the color of the rhetoric with which we have won a people's assent and the dull substance of the truth of our message. There is nothing insincere in the transition. Words ought to be a little wild--for they are the assault of thoughts upon the unthinking. But when the seats of power and authority have been attained, there should be no more poetic license. We have, therefore, to count the cost down to the penny which our rhetoric has despised. An experimental society has need to be far more efficient than an oldestablished one, if it is to survive safely. It will need all its economic margin for its own proper purposes, and can afford to give nothing away to soft-headedness or doctrinaire impracticability. When a doctrinaire proceeds to action, he must, so to speak, forget his doctrine. For those who in action remember the letter will probably lose what they are seeking. The second danger--and a worse danger than silliness--is Haste. Paul Valery's aphorism is worth quoting: "Political conflicts distort and disturb the people's sense of distinction between matters of importance and matters of urgency." The economic transition of a society is a thing to be accomplished slowly. What I have been discussing is not a sudden revolution, but the direction of secular trend. We have a fearful example in Russia to-day of the evils of insane and unnecessary haste. The sacrifices and losses of transition will be vastly greater if the pace is forced. I do not believe in the inevitability of gradualness, but I do believe in gradualness. This is, above all, true of a transition towards greater national self-sufficiency and a planned domestic economy. For it is of the nature of economic processes to be rooted in time. A rapid transition will involve so much pure destruction of wealth that the new state of affairs will be, at first, far worse than the old; and the grand experiment will be discredited. For men judge remorselessly by results, and by early results, too. The third risk, and the worst risk of all three, is Intolerance and the stifling of instructed criticism. The new movements have usually come into power through a phase of violence or quasi-violence. They have not convinced their opponents; they have downed them. It is the modern method--but very disastrous, I am still old-fashioned enough to believe--to depend on propaganda and to seize the organs of opinion; it is thought to be clever and useful to fossilize thought and to use all the forces of authority to paralyze the play of mind on mind. For those who have found it necessary to employ all methods whatever to attain power, it is a serious temptation to continue to use for the task of construction the same dangerous tools which wrought the preliminary housebreaking. Russia, again furnishes us with an example of the crushing blunders which a régime makes when it has exempted itself from criticism. The explanation of the incompetence with which wars are always conducted on both sides may be found in the comparative exemption from criticism which the military hierarchy affords to the high command. I have no excessive admiration for politicians, but, brought up as they are in the very breath of criticism, how much superior they are to the soldiers! Revolutions only succeed because they are conducted by politicians against soldiers. Paradox though it be--who ever heard of a successful revolution conducted by soldiers against politicians? But we all hate criticism. Nothing but rooted principle will cause us willingly to expose ourselves to it. Yet the new economic modes, towards which we are blundering, are, in the essence of their nature, experiments. We have no clear idea laid up in our minds beforehand of exactly what we want. We shall discover it as we move along, and we shall have to mould our material in accordance with our experience. Now for this process bold, free, and remorseless criticism is a sine qua non of ultimate success. We heed the collaboration of all the bright spirits of the age. Stalin has eliminated every independent, critical mind, even those sympathetic in general outlook. He has produced an environment in which the processes of mind are atrophied. The soft convolutions of the brain are turned to wood. The multiplied bray of the loud-speaker replaces the soft inflections of the human voice. The bleat of propaganda bores even the birds and the beasts of the field into stupefaction. Let Stalin be a terrifying example to all who seek to make experiments. If not, I, at any rate, will soon be back again in my old nineteenthcentury ideals, where the play of mind on mind created for us the inheritance we to-day, enriched by what our fathers procured for us, are seeking to divert to our own appropriate purposes.


ASPECTOS POLÍTICOS DO PLENO EMPREGO - MICHAL KALECKI

Uma maioria consolidada dos economistas já é da opinião de que, mesmo em um sistema capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos do governo, desde que haja um plano adequado para empregar toda a força de trabalho existente, e desde que a oferta de matérias-primas estrangeiras necessárias possa ser obtida em troca de exportações.

Se o governo assume o investimento público (por exemplo, constrói escolas, hospitais e estradas) ou subsidia o consumo de massa (por transferências às famílias, pela redução dos impostos indiretos, ou subsídios para manter baixos os preços dos bens de primeira necessidade), e se, além disso, essas despesas são financiadas pelo endividamento e não pela tributação (o que poderia afetar negativamente o investimento privado e o consumo), a demanda efetiva por bens e serviços pode ser aumentada até um ponto em que o pleno emprego seja alcançado. Este gasto governamental aumenta o emprego, note-se, não só diretamente, como também indiretamente, uma vez que os rendimentos mais elevados dele resultantes implicam em um segundo aumento na demanda por bens de consumo e de investimento.


Pode-se perguntar, de onde o público vai tirar o dinheiro para emprestar para o governo se não reduzir o seu investimento e consumo. Para entender esse processo, é melhor, penso eu, imaginar por um momento que o governo paga seus fornecedores em títulos públicos. Os fornecedores, em geral, não reterão esses títulos, mas os colocarão em circulação enquanto compram outros bens e serviços, e assim por diante, até que finalmente esses títulos atingirão pessoas ou empresas que os manterão como ativos remunerados. Em qualquer período de tempo, o aumento total de títulos públicos em poder (transitório ou definitivo) de pessoas e empresas será igual ao dos bens e serviços vendidos ao governo. Assim, o que a economia empresta ao governo são bens e serviços cuja produção é “financiada” por títulos do governo. Na realidade, o governo paga pelos serviços, não em títulos, mas em dinheiro, mas ele emite títulos simultaneamente e assim retira de circulação o dinheiro; e isto é equivalente ao processo imaginário descrito acima.


O que acontece, no entanto, se o público não estiver disposto a absorver todo o aumento de títulos públicos? O governo os oferecerá, por fim, para os bancos para obter dinheiro (papel-moeda ou depósitos) em troca. Se os bancos aceitarem essas ofertas, a taxa de juros será mantida. Se não, os preços dos títulos vão cair, o que significa um aumento na taxa de juros, e isso vai incentivar o público a deter mais títulos em relação aos depósitos. Segue-se que a taxa de juros depende da política bancária, da do banco central em particular. Se esta política visa manter a taxa de juros em um determinado nível, isto pode ser facilmente alcançado, independente do endividamento do governo. Essa foi e é a posição na presente guerra. Apesar dos deficits orçamentários astronômicos, a taxa de juros não mostrou qualquer aumento desde o início de 1940.


Pode-se objetar que os gastos públicos financiados pelo endividamento causarão inflação. Para isso, pode ser respondido que a demanda efetiva criada pelo governo age como qualquer outro aumento de demanda. Se há oferta suficiente de trabalho, plantas e matérias-primas estrangeiras, o aumento da demanda é atendido por um aumento na produção. Mas, se o ponto de pleno emprego dos recursos é atingido e a demanda efetiva continua a aumentar, os preços subirão, de modo a equilibrar a demanda e a oferta de bens e serviços. (No estado de sobre-emprego de recursos, como o que testemunhamos atualmente na economia de guerra, um aumento inflacionário dos preços tem sido evitado apenas na medida em que a demanda efetiva por bens de consumo é contida pelo racionamento e pela taxação direta). Segue-se que, se a intervenção governamental tem como objetivo atingir o pleno emprego, mas freia um pouco antes da demanda efetiva ultrapassar a marca de pleno emprego, não há necessidade de ter medo da inflação. (ii)




II


A descrição acima é uma definição muito simples e incompleta da doutrina econômica de pleno emprego. Mas é, penso eu, suficiente para familiarizar o leitor com a essência da doutrina e assim permitir-lhe acompanhar a discussão posterior dos problemas políticos envolvidos na realização do pleno emprego.


Em primeiro lugar deve se afirmar que embora a maioria dos economistas agora concordem que o pleno emprego pode ser alcançado pelos gastos do governo, este de modo algum foi o caso, mesmo no passado recente. Entre os opositores dessa doutrina existiam (e ainda existem) proeminentes e autointitulados “especialistas econômicos” estreitamente ligados à banca e à indústria. Isso sugere que há um fundo político na oposição à doutrina do pleno emprego, mesmo que os argumentos apresentados sejam econômicos. Isso não quer dizer que as pessoas que desenvolvem essas teorias não acreditam em sua economia, por mais lamentável que isso seja. Mas a ignorância obstinada geralmente é uma manifestação de motivações políticas subjacentes.


Há, no entanto, indicações ainda mais diretas de que uma questão política de primeira categoria está em jogo aqui. Na grande depressão na década de 1930, as grandes empresas sempre se opuseram aos experimentos de aumento do emprego pelos gastos do governo em todos os países, exceto a Alemanha nazista. Isto pôde ser visto claramente nos EUA (oposição ao New Deal), na França (o experimento Blum), e na Alemanha antes de Hitler. A atitude não é fácil de explicar. Claramente, uma maior produção e emprego beneficia não só os trabalhadores, mas também os empresários porque seus lucros aumentarão. E a política de pleno emprego descrita acima não colide com os lucros, porque não envolve nenhuma tributação adicional. Os empresários diante de uma recessão anseiam por uma retomada; porque é que eles não aceitam de bom grado a retomada sintética que o governo é capaz de oferecer-lhes? É esta questão difícil e fascinante que pretendemos tratar neste artigo.


As razões para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego alcançado via gastos do governo podem ser subdivididos em três categorias: (i) não gostam da interferência do governo no problema do emprego como tal; (ii) não gostam da direção dos gastos do governo (o investimento público e o consumo subsidiado); (iii) não gostam das mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. Vamos examinar em detalhe cada uma dessas três categorias de restrições a uma política governamental expansionista.


Vamos lidar primeiro com a relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do governo na questão do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é encarado pelo mercado com suspeita, mas a criação de emprego via gastos públicos tem um aspecto especial que faz com que a oposição seja particularmente intensa. Sob um sistema de livre mercado, o nível de emprego depende, em grande medida, do chamado estado de confiança. Se isso se deteriora, reduz-se o investimento privado, o que resulta numa queda da produção e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário da diminuição dos rendimentos sobre consumo e investimento). Isto dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo o que pode abalar o estado de confiança deve ser evitado porque isso causaria uma crise econômica. Mas uma vez que o governo descobre o truque de aumentar o emprego por suas próprias compras, este dispositivo de controle poderoso perde a sua eficácia. Daí déficits orçamentários necessários para realizar a intervenção do governo devem ser considerados perigosos. A função social da doutrina das “finanças saudáveis” é fazer com que o nível de emprego dependa do estado de confiança.


A antipatia de líderes empresariais para uma política de gastos do governo se torna ainda mais aguda quando eles consideraram o objeto em que o dinheiro seria gasto: o investimento público e o subsídio ao consumo de massas.


Os princípios econômicos da intervenção governamental exigem que o investimento público deva limitar-se a objetos que não concorram com os equipamentos das empresas privadas (por exemplo, hospitais, escolas, autoestradas). Caso contrário, a rentabilidade do investimento privado pode ser prejudicada, e os efeitos positivos do investimento público sobre o emprego neutralizados pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Essa concepção se adapta muito bem aos empresários. Mas o espaço para o investimento público deste tipo é bastante estreito, e há o perigo de que o governo, na prossecução desta política, pode, eventualmente, ser tentado a nacionalizar os transportes ou serviços de utilidade pública, de modo a ganhar uma nova esfera de investimento. (iii)


Poderia se esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus especialistas fossem mais favoráveis aos subsídios ao consumo de massa (por meio de transferências às famílias, subsídios para manter baixo os preços dos bens de primeiras necessidades, etc.) do que ao investimento público; uma vez que subsidiando o consumo o governo não embarcaria em qualquer tipo de empreendimento. Na prática, no entanto, este não é o caso. Na verdade, a oposição feita por esses especialistas ao subsídio ao consumo de massa é muito mais violenta que ao investimento público. Por aqui um princípio moral da maior importância está em jogo. Os fundamentos da ética capitalista requerem que “você deve ganhar o seu pão no suor”, a menos que você tenha meios privados.


Nós consideramos as razões políticas para a oposição à política de criação de emprego vias gastos governamentais. Mas, mesmo que esta oposição fosse superada – como pode muito bem ocorrer sob a pressão das massas – a manutenção do pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo impulso para a oposição dos líderes empresariais. Com efeito, sob um regime de pleno emprego permanente, a demissão deixaria de desempenhar o seu papel enquanto “medida disciplinar”. A posição social do patrão seria prejudicada, e a autoconfiança e consciência de classe da classe trabalhadora cresceria. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam mais elevados sob um regime de pleno emprego do que são, em média, nos termos do livre mercado, e até mesmo o aumento dos salários decorrente do maior poder de barganha dos trabalhadores é menos propenso a reduzir os lucros do que para aumentar preços, e, portanto, afeta negativamente apenas os interesses rentistas. Mas a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe lhes diz que um pleno emprego duradouro é inaceitável a partir do seu ponto de vista, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista “normal”.




III


Uma das funções importantes do fascismo, como tipificado pelo sistema nazista, foi remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.





A antipatia aos gastos do governo, seja em investimento público ou consumo, é superada pela concentração dos gastos governamentais em armamentos. Finalmente, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” sob o pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que varia de supressão dos sindicatos aos campos de concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.


O fato dos armamentos serem a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista tem uma profunda influência sobre o caráter desta política econômica. Armamentos em larga escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o objetivo principal do dispêndio mude gradualmente do pleno emprego para maximizar o rearmamento. Como resultado, o emprego se torna excedente. Não só é o desemprego abolido, mas uma aguda escassez de mão de obra prevalece. Gargalos surgem em todas as esferas, e estes devem ser tratados através da criação de inúmeros de controles. Tal economia tem muitas características de uma economia planificada, e às vezes é comparada, ainda que ignorantemente, com o socialismo. No entanto, este tipo de planejamento tende a aparecer sempre que uma economia se estabelece uma alta meta de produção numa esfera particular, quando se torna uma economia especializada da qual a economia armamentista é um caso especial. Uma economia armamentista envolve uma redução do consumo em comparação com o que poderia ocorrer sob o pleno emprego.


O sistema fascista começa a partir da superação do desemprego, desenvolve-se numa economia de armamentista de escassez, e termina, inevitavelmente, em guerra.




IV


Qual será o resultado prático da oposição a uma política de pleno emprego pelos gastos do governo em uma democracia capitalista? Vamos tentar responder a esta questão com base na análise das razões para essa oposição dadas na seção II. Nós discutimos lá que podemos esperar a oposição dos líderes do setor em três planos: (i) a oposição por princípio aos gastos do governo com base em um déficit orçamentário; (ii) a oposição ao direcionamento deste dispêndio tanto para o investimento público – o que pode prenunciar a intromissão do Estado em novas esferas da atividade econômica – ou no sentido de subsidiar o consumo de massa; (iii) a oposição a manutenção do pleno emprego e não apenas a prevenção de depressões profundas e prolongadas.





Nas discussões atuais destes problemas surge, uma vez ou outra, a concepção de se combater a depressão estimulando o investimento privado. Isto pode ser feito através da redução da taxa de juros, pela redução do imposto de renda, ou subsidiando o investimento privado diretamente nesta ou em outra forma. Que tal esquema deva ser atraente para o mercado não é surpreendente. O empresário continua a ser o meio através do qual a intervenção é conduzida. Se ele não sentir confiança na situação política, ele não vai ser subornados para investir. E a intervenção não envolve o governo, seja na “brincadeira com” o investimento (público), seja no “desperdício de dinheiro” com subsídios ao consumo.


Pode ser demonstrado, no entanto, que o estímulo ao investimento privado não fornece um método adequado para evitar o desemprego em massa. Há duas alternativas a serem consideradas aqui. (i) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda (ou ambos) são reduzidos drasticamente na recessão e aumentados no crescimento. Neste caso, tanto o período quanto a amplitude do ciclo de negócios serão reduzidos, mas o pleno emprego pode estar distante não só na depressão, mas mesmo durante o crescimento, ou seja, a média de desemprego pode ser considerável, embora suas flutuações sejam menos notadas. (ii) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda são reduzidos em uma recessão, mas não aumentam no crescimento subsequente. Neste caso, o crescimento vai durar mais tempo, mas deverá acabar em uma nova crise: uma redução na taxa de juros ou de imposto de renda não eliminam, é claro, as forças que causam as flutuações cíclicas em uma economia capitalista. Na nova recessão será necessário reduzir novamente a taxa de juros ou o imposto de renda e assim por diante. Assim, em um futuro não muito distante, a taxa de juros teria que ser negativa e o imposto de renda teria de ser substituído por um subsídio de renda. O mesmo ocorreria se se tentasse manter o pleno emprego estimulando o investimento privado: a taxa de juros e imposto de renda teriam de ser reduzidos de forma contínua. (iv)


Além dessa fraqueza fundamental da luta contra o desemprego através do estímulo ao investimento privado, há uma dificuldade prática. A reação dos empresários às medidas descritas é incerta. Se a desaceleração é aguda, eles podem ter uma visão muito pessimista do futuro, e a redução da taxa de juros ou do imposto de renda pode, então, por um longo tempo, ter pouco ou nenhum efeito sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e emprego.


Mesmo aqueles que defendem o incentivo ao investimento privado para enfrentar a recessão frequentemente não confiam exclusivamente nisso, mas preveem que este incentivo deve ser feito conjuntamento com o investimento público. Olha-se para o presente como se os líderes empresariais e seus especialistas (pelo menos alguns deles) tendessem a aceitar como um mal menor o investimento público financiado pelo endividamento do Estado como forma de aliviar recessões. Eles parecem, no entanto, ainda se oporem consistentemente à criação de emprego através de subsídios ao consumo e à manutenção do pleno emprego.


Este estado das coisas é talvez sintomático do futuro regime econômico das democracias capitalistas. Na recessão, quer sob a pressão das massas, ou até mesmo sem ela, o investimento público financiado por endividamento do Estado serão realizados para evitar o desemprego em grande escala. Entretanto, se forem feitas tentativas de aplicar este método com o propósito de manter o alto nível de emprego alcançado com a retomada do crescimento posterior, é bem provável que seja encarada uma forte oposição dos líderes empresariais. Como já foi discutido, pleno emprego duradouro não é de todo o seu grado. Os trabalhadores sairiam do “controle” e os “capitães da indústria” ficariam ansiosos para “ensinar-lhes uma lição”. Ademais, o aumento de preços na retomada é uma desvantagem dos pequenos e grandes rentistas, e torna-os “cansados de crescimento”.


Nesta situação, uma poderosa aliança é provável de se formar entre as grandes corporações e os interesses rentistas, e que provavelmente há de se encontrar mais de um economista para declarar que a situação era manifestamente frágil. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes corporações – como regra, influentes em setores do governo – muito provavelmente induzirá o governo a voltar para a política ortodoxa de reduzir o deficit orçamentário. A recessão se seguiria quando a política de gastos do governo voltaria a ser valorizada.


Este padrão de um ciclo de negócios político não é totalmente conjuntural; algo bastante similar ocorreu nos EUA em 1937-8. A derrubada do crescimento na segunda metade de 1937 foi na realidade causada pela drástica redução do deficit orçamentário. Por outro lado, na recessão aguda que se seguiu, o governo imediatamente reverteu para uma política de gastos.


O regime do ciclo de negócios político seria uma restauração do artificial da posição existente no capitalismo do século dezenove. O pleno emprego só seria alcançado no topo do crescimento, porém as recessões seriam relativamente suaves e curtas.




V


Deveria um progressista ficar satisfeito com o ciclo de negócios político da forma como descrito na seção anterior?  Acho que a isto deveríamos nos opor em dois níveis: (i) que isto não assegura um pleno emprego duradouro; (ii) que esta intervenção governamental está associada ao investimento público que não abarca o subsídio ao consumo.  O que as massas demandam agora não é a mitigação da recessão, mas sua abolição total.  Nem deveria a consequente utilização mais completa dos recursos ser feita em investimentos públicos não desejados apenas para gerar emprego. O programa de gastos governamentais deveria estar dedicado apenas ao investimento público de fato necessário. O resto do gasto público necessário para manter o pleno emprego deveria ser usado para subsidiar o consumo (através de transferências às famílias, pensões e aposentadorias, redução dos impostos indiretos e subsídios aos bens de primeira necessidade).  Os opositores deste tipo de gasto governamental alegam que o governo não terá, então, nenhuma contrapartida ao seu dinheiro. A resposta é que a contrapartida deste dispêndio é o maior padrão de vida das massas. Este não é propósito de toda a atividade econômica?


“O capitalismo do pleno emprego” claramente evoluirá para novas instituições políticas e sociais que refletirão o crescente poder da classe trabalhadora. Se o capitalismo puder se ajustar ao pleno emprego, uma reforma fundamental terá sido incorporada nele. Caso contrário, se mostrará um sistema ultrapassado que deverá ser descartado.


Entretanto, lutar pelo pleno emprego pode levar ao fascismo? Talvez o capitalismo se ajuste ao pleno emprego no caminho? Isto parece extremamente improvável. O fascismo surgiu na Alemanha diante de um cenário de desemprego tremendo, e se manteve no poder assegurando o pleno emprego enquanto a democracia capitalista fracassou neste objetivo. A luta das forças progressistas pelo emprego de todos é ao mesmo tempo uma maneira de se prevenir a reincidência do fascismo.





Notas:


(i) Este artigo corresponde aproximadamente a uma palestra dada à Sociedade Marshall em Cambridge na primavera de 1942.


(ii) Outro problema de natureza mais técnica é o da dívida nacional. Se o pleno emprego é mantido por gastos do governo financiados por empréstimos, a dívida nacional aumentará continuamente. Isso não precisa, no entanto, envolver quaisquer perturbações na produção e no emprego se os juros da dívida forem financiados por um imposto anual sobre o capital. A renda corrente, após o pagamento do imposto sobre o capital, de alguns capitalistas será menor, e de outros maior, do que se a dívida nacional não tivesse aumentado, mas o seu rendimento global permanecerá inalterado e seu consumo agregado não será suscetível a mudanças significativas. Além disso, a propensão para investir em capital fixo não é afetada por um imposto sobre o capital, porque ele é pago sobre qualquer tipo de riqueza. Se uma determinada quantia está em dinheiro ou títulos do governo ou investida na construção de uma fábrica, o mesmo imposto sobre o capital é pago sobre ela e, assim, a vantagem comparativa é inalterada. E se o investimento é financiado por empréstimos é evidente que não é afetado por um imposto sobre o capital se não significar um aumento da riqueza do empresário investidor. Assim, nem o consumo capitalista nem o investimento é afetado pelo aumento da dívida nacional se seus juros forem financiados por um imposto anual sobre o capital. (Veja mais em Kalecki, M. “A Theory of Commodity, Income, and Capital Taxation” in: Kalecki, M. Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy 1933-1970, Cambridge University Press, 1971)




(iii) Deve-se notar aqui que o investimento em uma indústria nacionalizada pode contribuir para a solução do problema do desemprego apenas se for realizada em princípios de retorno diferentes daqueles da iniciativa privada, ou deve deliberadamente temporizar o seu investimento de modo a mitigar aqueles da iniciativa privada. O governo deve estar satisfeito com uma menor taxa líquida de falências.



Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/aspectos-politicos-do-pleno-emprego-por-michal-kalecki






O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA AMÉRICA LATINA E ALGUNS DE SEUS PROBLEMAS PRINCIPAIS - RAÚL PREBISCH









NOSSA OBSOLETA MENTALIDADE DE MERCADO - KARL POLANYI 

                          A Civilização deve Achar um Novo Padrão de Pensamento 
O primeiro século da Era da Máquina está se encerrando num ambiente de medo e agitação. Seu fabuloso sucesso material foi devido à pronta, na realidade até entusiástica, subordinação do homem às necessidades da máquina. O capitalismo liberal foi com efeito a resposta inicial do homem ao desafio da Revolução Industrial. De modo a gerarmos o escopo necessário para o uso de máquinas poderosas e elaboradas, transformamos a economia humana em um sistema auto-regulado de mercados, e direcionamos nosso pensamentos e valores para os moldes dessa única inovação. 

Hoje, começamos a duvidar da verdade de alguns desses pensamentos e da validade de alguns desses valores. Fora dos Estados Unidos, dificilmente pode-se dizer que o capitalismo liberal ainda existe. Como organizar a vida humana em uma sociedade da máquina é a questão que nos confronta, recolocada. Por trás do tecido gasto do capitalismo competitivo eleva-se o porte de uma civilização industrial, com a sua paralisante divisão do trabalho, padronização da vida, supremacia de mecanismo sobre organismo, e da organização sobre a espontaneidade. A própria ciência é assombrada pela insanidade. Essa é a preocupação duradoura. 

Nenhuma mera reversão aos ideais de um século passado pode nos mostrar o caminho. Devemos afrontar o futuro, ainda que isso possa envolver-nos em uma tentativa de deslocar o lugar da indústria na sociedade, de modo que o fator externo, da máquina, possa ser absorvido. A busca por uma democracia industrial não é meramente a busca por uma solução dos problemas do capitalismo, como a maioria das pessoas imagina. É abusca por uma resposta à própria indústria. Aqui jaz o problema concreto da nossa civilização. 

Tal nova ordenação requer uma liberdade interior para qual estamos muito mal preparados. Nós nos encontramos imbecilizados pela herança de uma economia de mercado que nos legou visões ultra-simplificadas da função e o papel do sistema econômico na sociedade. Se a crise é para ser superada, devemos recapturar uma visão mais realista do mundo humano e moldar nosso propósito comum à luz dessa averiguação. 

O industrialismo é um rebento precariamente enxertado sobre a duradoura existência da humanidade. O resultado do experimento ainda está pendendo na balança. Mas o homem não é um ser simples e pode morrer em mais de uma forma. A questão da liberdade individual, tão apaixonadamente levantada na nossa geração, é apenas um aspecto desse angustiante problema. Na verdade, ela faz parte de uma necessidade muito mais ampla e profunda – a necessidade de uma nova resposta ao desafio total da máquina. 

A Heresia Fundamental 

 Nossa condição pode ser descrita nos seguintes termos: a civilização industrial ainda pode aniquilar o homem. Mas como a ventura de um ambiente progressivamente artificial não pode, não vai, e, na verdade, não deveria ser voluntariamente descartada, a tarefa de adaptar a vida em tal meio aos requerimentos da existência humana deve ser resolvida se for para o homem continuar na terra. Ninguém pode antever se tal ajuste é possível, ou se o homem deve perecer na tentativa. Daí o tom sombrio da questão. 

Enquanto isso, a primeira fase da Era da Máquina correu o seu caminho. Ela envolveu uma organização da sociedade que derivou seu nome da sua instituição central, o mercado. Esse sistema está em decadência. Contudo, nossa filosofia prática foi esmagadoramente moldada por esse episódio espetacular. Novas noções sobre o homem e a sociedade tornaram-se correntes e ganharam o estatuto de axiomas. Aqui estão elas: Quanto ao homem, nós fomos levados a aceitar a heresia que suas motivações podem ser descritas como “materiais” e “ideais”, e que os incentivos sobre os quais a vida cotidiana está organizada emergem de motivos “materiais”. Tanto o utilitarismo liberal quanto o marxismo vulgar favoreceram tais visões. Ao que concerne à sociedade, semelhante doutrina colocada em consideração foi que suas instituições eram “determinadas” pelo sistema econômico. Essa opinião foi ainda mais popular entre os marxistas do que entre os liberais. 

Sob uma economia de mercado ambas as proposições eram, evidentemente, verdadeiras. Mas apenas em tal economia. No que concerne ao passado, tal visão não era mais que um anacronismo. No que corne ao futuro, ela era um mero preconceito. Porém sob a influência das atuais escolas de pensamento, reforçadas pela autoridade da ciência e da religião, da política e dos negócios, esses fenômenos estritamente circunscritos no tempo foram considerados como atemporais, como transcendendo a era do mercado. Para superar essas doutrinas, que restringem nossas mentes e almas e muito aprimoram a dificuldade do ajustamento necessário para sobrevivermos, pode requerer nada menos do que uma reforma da nossa consciência. 

O Trauma do Mercado 

O nascimento do laissez-faire administrou um choque às visões do homem civilizado sobre si mesmo, de cujos efeitos ele nunca se recuperou inteiramente. Apenas muito gradualmente nós estamos dando conta do que nos aconteceu tão recentemente quanto a um século atrás. 

A economia liberal, essa primeira reação do homem à máquina, foi uma ruptura violenta com as condições que a precederam. Uma reação em cadeia foi iniciada – o que antes eram meros mercados isolados foram transmutados em um sistema de mercados autorreguláveis. E com a nova economia, veio a surgir uma nova sociedade. 

O passo crucial foi esse: o trabalho e a terra foram transformados em mercadorias, isto é, eles foram tratados como se fossem produzidos para a venda. Evidentemente, eles não eram realmente mercadorias, pois eles ou não eram de modo algum produzidos (como a terra) ou, quando o eram, não para a venda (como o trabalho). 

Contudo, nunca houve uma ficção tão profundamente eficaz como essa. Pela livre compra e venda de terra e de trabalho, o mecanismo do mercado foi aplicado a eles. Agora havia uma oferta de trabalho, e demanda para ele; havia oferta de terra, e demanda para ela. Consequentemente, havia um preço de mercado pelo uso da força de trabalho, chamado salário, e um preço de mercado pelo uso da terra, chamado aluguel. Trabalho e terra foram providos com mercados próprios, semelhantes ao das próprias mercadorias que eram produzidas com o auxílio deles. 

O verdadeiro alcance de tal passo pode ser aferido se nós lembrarmos que o trabalho é apenas outro nome para o homem, e terra para a natureza. A ficção da mercadoria entregou o destino do homem e da natureza ao jogo de um autômato correndo em seu próprio ritmo e governado por suas próprias leis. 

Nada similar jamais fora testemunhado antes. Sob o regime mercantilista, embora ele deliberadamente pressionasse para a criação de mercados, o princípio contrário ainda operava. Trabalho e terra não foram confiados ao mercado; eles formavam parte de uma estrutura orgânica da sociedade. Onde a terra era comercializável, apenas a determinação do preço era, como regra, legada às partes; onde o trabalho era sujeito ao contrato, os salários eram usualmente avaliados pela autoridade pública. A terra ficava sob o costumedo feudo, monastério e vilarejo, sob limitações da common-law quanto aos direitos de propriedade; o trabalho era regulado por leis contra a mendigagem e vadiagem, estatutos de trabalhadores e artesãos, leis dos pobres, ordenanças de guildas e de municípios. Com efeito, todas as sociedades conhecidas aos antropólogos e historiadores restringiam os mercados às mercadorias no sentido próprio do termo. 

A economia de mercado portanto criou um novo tipo de sociedade. O sistema econômico ou produtivo foi aqui confiado a um mecanismo automático. Um mecanismo institucional controlava os seres humanos em suas atividades diárias assim como os recursos da natureza. 

O instrumento do bem-estar material estava sobre o controle único dos incentivos da fome e do ganho – ou, mais precisamente, medo de ficar sem as necessidades vitais, e expectativas de lucro. Desde que nenhuma pessoa desprovida de propriedade pudesse satisfazer sua súplica por comida sem antes vender seu trabalho no mercado, e desde que nenhuma pessoa proprietária fosse prevenida de comprar no mercado mais barato e vender no mais caro, o moinho cego traria quantidades cada vez maiores de mercadorias para o benefício da raça humana. O medo de morte pela fome entre os trabalhadores, e a tentação de lucro entre os empregadores, manteriam o vasto estabelecimento girando. 

Dessa forma passou a existir uma “esfera econômica” nitidamente delimitada das outras instituições da sociedade. Como nenhum agregado humano pode sobreviver sem um aparato produtor funcional, sua personificação em uma esfera distinta e separada teve o efeito de fazer o “resto” da sociedade dependente dessa esfera. Essa zona autônoma, por sua vez, era regulada por um mecanismo que controlava o seu funcionamento. Como resultado, o mecanismo de mercado tornou-se determinante para a vida do corpo social. Não admira que o emergente agregado humano era uma sociedade “econômica” em um grau nunca antes sequer aproximado. Os “Motivos econômicos” reinaram supremos em um mundo próprio a eles, e o indivíduo foi levado a agir sobre eles sob a pena de ser atropelado pelo impiedoso mercado. 

Tal conversão forçada para uma perspectiva utilitária fatidicamente deformou o entendimento do homem Ocidental sobre si mesmo. 

Fome e Ganho Entronizados 

 Esse novo mundo de “motivos econômicos” foi baseado em uma falácia. Intrinsecamente, a fome e o ganho não são mais “econômicos” que amor ou ódio, orgulho ou preconceito. Nenhum motivo humano é per se econômico. Não há algo como uma experiência econômica sui generis no sentido em que o homem pode ter uma experiência religiosa, estética, ou sexual. Esses últimos dão origem a motivos que de forma ampla buscam evocar experiências similares. Com relação à produção material esses termos carecem de significado auto evidente. 

O fator econômico, que subjaz toda a vida social, não dá mais origem a incentivos definidos do que a lei universal da gravitação, igualmente universal. Certamente que, se nós não comermos, devemos perecer, da mesma forma como se nós fossemos esmagados sob o peso de uma pedra caindo. Mas as dores da fome não são automaticamente traduzidas em um incentivo a produzir. A produção não é um arranjo individual, mas coletivo. Se um indivíduo está faminto, não há nada definido que ele possa fazer. Feito desesperado, ele pode furtar ou roubar, mas tal ação dificilmente pode ser chamada de produtiva. Com o homem, o animal político, tudo é dado por circunstâncias sociais, não naturais. O que fez o século XIX pensar em fome e ganho como “econômicos” foi simplesmente a organização da produção sob uma economia de mercado. 

A fome e o ganho estão ligados com a produção através da necessidade de “ganhar uma renda”. Pois sob tal sistema, o homem, para manter-se vivo, é compelido a comprar bens no mercado por meio de uma renda derivada da venda de outros produtos no mercado. O nome dessas rendas – salários, aluguel, juros – variam conforme o que é oferecido para a venda: uso da força de trabalho, da terra, ou do dinheiro; a renda chamada lucro – a remuneração do empresário – deriva da venda de bens que atingem um preço maior que os bens que vão na produção deles. Assim todas as rendas derivam de vendas, e todas as vendas – direta ou indiretamente – contribuem para a produção. A última é, com efeito, incidental ao ganho de uma renda. Tão logo um indivíduo está “ganhando uma renda”, ele está, automaticamente, contribuindo para a produção. 

Obviamente, o sistema funciona apenas enquanto os indivíduos têm uma razão para saciarem-se na atividade de “ganhar uma renda”. Os motivos da fome e do ganho – separadamente e conjuntamente – provém-los com tal razão. Esses dois motivos são assim orientados à produção e, por consequência, são denominados “econômicos”. A aparência nos leva a pensar que fome e ganho são os incentivos em que qualquer sistema econômico deve se assentar. 

Essa suposição não tem qualquer fundamento. Se passarmos pelas várias sociedades humanas, veremos que fome e ganho não eram considerados incentivos para a produção, e quando assim o eram, estavam fundidos com outros motivos poderosos. 

Aristóteles tinha razão: o homem não é um ser econômico, mas um ser social. Ele não procura salvaguardar seu interesse individual na aquisição de posses materiais, mas sim em garantir a sua consideração social, seu status social, seus ativos sociais. Ele valoriza possessões primariamente como meios para esse fim. Seus incentivos são daquele caráter “misto” que associamos com o esforço de ganhar aprovação social – esforços produtivos não são mais que incidentais a esse esforço. A economia do homem está, como regra, submersa nas suas relações sociais. A mudança disso para uma sociedade que era, pelo contrário, submersa no sistema econômico foi um desenvolvimento inteiramente novo. 

 Fatos 

A evidência de fatos, sinto, deveria a esse ponto ser trazida a tona. Em primeiro lugar, existem as descobertas da economia primitiva. Dois nomes se sobressaem: Bronislaw Malinowski e Richard Thurnwald. Eles e mais alguns pesquisadores revolucionaram nossas concepções nesse campo e, ao fazê-lo, fundaram uma nova disciplina. O mito do selvagem individualista fora descreditado há muito tempo. Nem o egoísmo bruto, nem a duvidosa propensão ao escambo, tráfico e troca, nem mesmo a tendência de prover para si mesmo estava em evidência. Mas igualmente descreditada estava a lenda da psicologia tipo comunista do selvagem, sua suposta falta de apreço pelos seus interesses pessoais. (Em geral, aparentava-se que o homem foi praticamente o mesmo através das eras. Tomando suas instituições não em isolamento, mas em suas inter-relações, ele estava na maioria das vezes se comportando de uma maneira grandemente compreensível para nós.) O que aparecia como “comunismo” era o fato de que o sistema produtivo ou econômico estava usualmente arranjado de forma tal a não ameaçar nenhum indivíduo com a inanição. Seu lugar na fogueira do acampamento, sua parcela nos recursos comuns, estava segura a ele, seja qual papel ele possa ter tido na caçada, pasto, lavoura ou jardinagem. 

Aqui estão alguns exemplos: sob o sistema kraal-land dos Kaffirs, “a destituição é impossível: seja quem for necessitar de assistência, recebe-a sem questionamentos” (L. P. Mair, An African People in the Twentieth Century, 1934). Nenhum Kwakiutl “jamais passava pelo menor risco de ficar com fome” (E. M. Loeb, The Distribution and Function of Money in Early Society, 1936). “Não existe morte pela fome em sociedades vivendo na margem da subsistência” (M. J. Herkshovits, The Economic Life of Primitive Peoples, 1940). Com efeito, o indivíduo não está em perigo de passar fome a menos que a comunidade como um todo esteja em uma situação semelhante. É essa ausência de ameaça de privação individual que faz a sociedade primitiva, em certo sentido, mais humana que a sociedade do século XIX, e ao mesmo tempo menos “econômica”. 

O mesmo se aplica ao estímulo ao ganho individual. Novamente, algumas citações: “A característica distintiva da economia primitiva é a ausência de qualquer desejo de realizar lucros da produção e da troca” (R. Thumpwald, Economics in Primitive Communities, 1932). “O ganho, que é usualmente o estímulo ao trabalho nas comunidades mais civilizadas, nunca atua como um impulso ao trabalho sobre as condições nativas originais” (B. Malinowski, Argonauts of the Western Pacific, 1930). Se as assim chamadas motivações econômicas fossem naturais ao homem, nós teríamos que julgar todas as sociedades primitivas como completamente não naturais. 

Em segundo lugar, não existe diferença entre sociedades primitivas e civilizadas nesse aspecto. Seja se voltarmos à antiga cidade-estado, império despótico, feudalismo, vida urbana do século XIII, regime mercantil do século XVI, ou o regulacionismo do século XVIII – invariavelmente o sistema econômico é encontrado submerso no social. 

Os incentivos emergem de uma grande variedade de fontes, como o costume e a tradição, o dever público e o comprometimento individual, a observância religiosa e a aliança política, a obrigação jurídica e a regulação administrativa tal como estabelecida pelo príncipe, pela administração municipal, ou pela guilda. Hierarquia e status, compulsão da lei e ameaça de punição, exaltação pública e reputação privada, garantem que o indivíduo contribua sua parte para a produção. 

Medo da privação ou amor ao lucro não precisam estar de todo ausentes. Mercados ocorrem em todas as várias sociedades, e a figura do mercador é familiar a muitos tipos de civilização. Mas mercados isolados não se associam em uma economia. O motivo do ganho era específico aos mercadores, assim como o valor para o cavaleiro, a piedade para o sacerdote, e o orgulho para o artesão. A noção de tornar universal o motivo do ganho nunca entrou na cabeça de nossos ancestrais. Em nenhum momento antes do segundo quartil do século XIX os mercados foram mais que um traço subordinado na sociedade. 

Em terceiro lugar, houve a surpreendente rapidez da mudança. A predominância dos mercados emergiu não como uma questão qualitativa, e não gradual. Os mercados através dos quais unidades familiares autossuficientes livravam-se de seus excedentes nem direcionavam a produção nem provinham ao produtor a sua renda. Esse é o caso apenas em uma economia de mercado onde todas as rendas derivam das vendas, e mercadorias são obtidas exclusivamente pela compra. Um mercado livre de trabalho nasceu na Inglaterra apenas a por volta de um século atrás. A má reputada Poor Law Reform (1834) aboliu as provisões improvisadas oferecidas aos pobres pelos governos patriarcais. A casa dos pobres foi transformada de um refúgio dos destituídos em uma estadia de vergonha e tortura mental comparadas as quais até a fome e a miséria eram preferíveis. Morrer de fome ou trabalhar foram as alternativas deixadas aos pobres. Assim um mercado nacional competitivo de trabalho foi criado. Dentro de uma década, o Bank Act (1844) estabeleceu o princípio do padrão ouro; a fabricação do dinheiro foi tirada das mãos do governo independentemente do seu efeito sobre o nível de emprego. Simultaneamente, a reforma da legislação fundiária mobilizou a terra e a revogação das Corn Laws (1846) criou uma reserva mundial de grãos, desse modo tornando o desprotegido camponês fazendeiro continental sujeito aos caprichos do mercado. 

Assim foram estabelecidos os três dogmas do liberalismo econômico, o princípio sobre o qual a economia de mercado foi organizada: que o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado; que o dinheiro deveria ser suprido por um mecanismo auto ajustável; que as mercadorias deveriam ser livres para fluir de país a país independentemente das consequências – em suma, um mercado de trabalho, o padrão ouro, e o comércio livre. Foi induzido um processo auto inflamatório, como resultado do qual o antigo padrão de mercado, inofensivo, expandiu-se para uma enormidade sociológica.

O Nascimento de uma Ilusão 

Esses fatos esboçam a genealogia de uma sociedade “econômica”. Sob tais condições o mundo humano deve aparecer como determinado por motivações “econômicas”. É fácil ver porquê. 

Isole qualquer motivação que queira, e organize a produção de tal maneira que essa motivação seja o incentivo do indivíduo a produzir, e você terá induzido a imagem do homem como totalmente absorvido por esse motivo particular. Seja esse motivo o religioso, o político, ou o estético; seja o orgulho, o preconceito, o amor, ou a inveja; e o homem vai aparecer como essencialmente religioso, político, estético, orgulhoso, preconceituoso, absortos no amor ou inveja. Outros motivos, por contraste, vão aparecer distantes e sombrios já que não podem ser confiados à operar o negócio vital da produção. Esse motivo particular selecionado representará o homem “real”. 

Acontece que os seres humanos são capazes de trabalhar por uma grande quantidade de razões desde que as coisas sejam organizadas de acordo. Monges trocavam por motivos religiosos, e monastérios tornaram-se os maiores estabelecimentos de troca na Europa. A troca Kula dos Ilhéus Trobriand, um dos mais intrincados arranjos de escambo conhecidos do homem, é primariamente uma busca estética. A economia feudal era regida conforme os princípios do costume. Com os Kwakintl, o objetivo principal da indústria parece ser a satisfação de uma questão de honra. Sob o regime mercantil despótico, a indústria era normalmente planejada para servir o poder e a glória. Por conseguinte, nós tendemos a pensar nos monges ou servos, Melanésios ocidentais, os Kwakiutl, ou chefes de Estado do século XVII, como regidos pela religião, estética, costume, honra ou política, respectivamente. 

Sob o capitalismo, cada indivíduo tem que ganhar uma renda. Se ele for um trabalhador, tem que vender sua força de trabalho ao preço corrente; se for um proprietário, tem que realizar um lucro tão alto quanto conseguir, pois sua permanência junto aos seus semelhantes vai depender do nível da sua renda. A fome e o ganho – mesmo se indiretamente – os fazem arar e semear, fiar e tecer, minerar carvão, e pilotar aviões. Consequentemente, membros de tal sociedade vão pensar de si mesmos como governados por essas motivações gêmeas. 

Mas na realidade o homem nunca foi tão egoísta quanto a teoria exigia. Ainda que o mecanismo de mercado tenha trazido à tona sua dependência dos bens materiais, motivações “econômicas” nunca formaram com ele o único incentivo a trabalhar. Em vão ele foi incitado por economistas e moralistas utilitários afins à descontar dos negócios todos os outros motivos além daqueles “materiais”. Numa investigação mais minuciosa, ele ainda se encontraria agindo por motivações marcadamente “mistas”, não excluindo aqueles do dever quanto a si mesmo e aos outros – e talvez, secretamente, até mesmo apreciando o trabalho pelo trabalho. 

Entretanto, não estamos aqui preocupados com motivos reais, mas aqueles assumidos, não com a psicologia, mas com a ideologia dos negócios. Pois as visões da natureza humana são baseadas não nesses primeiros, mas nos últimos. Pois uma vez que a sociedade espere um determinado comportamento por parte de seus membros, e as instituições prevalecentes tornam-se mais ou menos capazes de forçar um tal comportamento, as opiniões sobre a natureza humana vão tender a espelhar esse ideal quer ele se aproxime da realidade ou não. 

Dessa forma, a fome e o ganho foram definidos como motivações “econômicas”, e era suposto que o homem agiria na base deles em sua vida cotidiana, enquanto suas outras motivações apareciam como mais etéreas e distantes da existência mundana. Honra e orgulho, obrigação civil e dever moral, até mesmo auto-respeito e decência comum, eram agora vistos como irrelevantes à produção, e foram significativamente resumidos na palavra “ideal”. Desse modo acreditou-se que o homem consistia de dois componentes, um mais próximo da fome e do ganho, o outro mais próximo da honra e do poder. Um era “material”, o outro “ideal”; um era “econômico”, o outro “não-econômico”; um “racional”, outro “não-racional”. Os Utilitaristas foram tão longe a identificar dois conjuntos de termos, assim dotando o lado “econômico” do caráter do homem com a aura de racionalidade. Aquele que se recusasse a imaginar que ele estava agindo apenas pelo ganho era assim considerado não apenas imoral, como também insano. 

Determinismo Econômico 

O mecanismo de mercado ademais criou a ilusão do determinismo econômico como uma regra geral para toda a sociedade humana. 

Sob uma economia de mercado, evidentemente, essa lei se sustenta. De fato, nela o funcionamento do sistema econômico não apenas “influência” o resto da sociedade, mas o determina, assim como num triângulo os lados não apenas influenciam os ângulos, mas os determinam. 

Considere a estratificação das classes. A oferta e a demanda no mercado de trabalho eram idênticas com as classes de trabalhadores e empregadores, respectivamente. As classes sociais do capitalismo, donos de terra, inquilinos, brokers, mercadores, profissionais, e assim por diante, eram delimitadas pelos respectivos mercados para a terra, dinheiro, e capital e seus uses, ou pelos seus vários serviços. O rendimento dessas classes sociais era fixado pelo mercado, e sua hierarquia e posição pelas suas rendas. 

Essa foi uma reviravolta completa da prática secular. Na famosa frase de Maine, os “contratos” substituíram o “status”; ou, como Tönnies preferia colocar, a “sociedade” substituía a “comunidade”; ou, nos termos do presente artigo, ao invés de o sistema econômico estar anexado nas relações sociais, essas relações sociais estavam agora anexadas ao sistema econômico. 

Enquanto o mecanismo de mercado determinava diretamente as classes sociais, outras instituições eram-no indiretamente. O Estado e o governo, o casamento e a criação de filhos, a organização da ciência e da educação, da religião e das artes, a escolha da profissão, as formas de habitação, o molde dos assentamentos, a própria estética da vida privada – tudo tinha que cumprir o padrão utilitário, ou ao menos não interferir com o funcionamento do mecanismo de mercado. Mas como muito poucas atividades humanas podem ser carregadas no vácuo, até mesmo um santo precisando de apoio, o efeito indireto do sistema de mercado chegou muito próximo de determinar o todo da sociedade. Era quase impossível evitar a errônea conclusão de que como homem “econômico” era o homem “real”, de modo que o sistema econômico era “realmente” a sociedade. 

Sexo e Fome 

Contudo, seria mais verdadeiro dizer que as instituições humanas básicas repugnam as motivações muito estreitas. Assim como o provisionamento do indivíduo e de sua família normalmente não depende da motivação da fome, assim também a instituição da família não está baseada na motivação sexual. 

O sexo, como a fome, é uma das motivações mais poderosas quando liberada do controle de outras motivações. É provavelmente por isso que a família, em toda a sua variedade de formas, nunca é permitida centrar-se no instinto sexual, com suas intermitências e caprichos, mas em uma combinação de numerosas motivações efetivas que previnem o sexo de destruir a instituição de que depende tamanha parte da felicidade do homem. O sexo em si mesmo jamais produzirá nada melhor que um bordel, e mesmo aí ele pode ter que se apoiar em incentivos do mecanismo de mercado. Um sistema econômico de fato dependente da fome como mola principal seria quase tão perverso quanto um sistema familiar baseado apenas na crua incitação do sexo. 

Tentar aplicar o determinismo econômico a todas as sociedades humanas é pouco menos do que fantasioso. Nada é mais óbvio para o estudante da antropologia social que a variedade de instituições descobertas como compatíveis com instrumentos de produção praticamente idênticos. Apenas a partir de quando foi permitido ao mercado triturar o tecido social do homem em uma uniformidade inexpressiva de erosão selênica tem a criatividade institucional do homem caído em inatividade. Não surpreende que sua imaginação social mostre sinais de fadiga. Pode-se chegar a um ponto onde ele não mais será capaz de recuperar sua elasticidade, o poder e a riqueza imaginativa, da sua dotação selvagem. 

Nenhum protesto de minha parte, percebo, irá me salvar de ser tomado como um “idealista”. Pois aquele que deprecia a importância das motivações “materiais” deve, ao que parece, estar contando com a força daquelas “ideais”. Ainda que não seja possível um equívoco pior. A fome e o ganho não têm nada de especificamente “material” sobre eles. Orgulho, honra, e poder, por outro lado, não são necessariamente motivações “superiores” às da fome e do ganho. 

A dicotomia em si, afirmamos, é arbitrária. Permita-nos mais uma vez demonstrar a analogia do sexo. Seguramente, uma distinção significativa entre motivações “elevadas” e “baixas” pode ser traçada aqui. Contudo, seja a fome ou o sexo, é pernicioso institucionalizar a separação dos componentes “materiais” e “ideais” da existência humana. No que concerne ao sexo, essa verdade, tão vital para a completude essencial do homem, tem sido reconhecida por todo o tempo; ela está na base da instituição do casamento. Mas no igualmente estratégico campo da economia, ela tem sido negligenciada. Esse último campo foi “separado” da sociedade como o reino da fome e do ganho. Nossa dependência animal diante da comida tem se tornado explícita e o medo nu do esfomeamento foi permitido correr solto. Nossa humilhante servidão ao “material”, que todas as culturas humanas são projetadas para mitigares, foi deliberadamente tornada mais rigorosa. Isso está na raiz da “doença da sociedade aquisitiva” que Tawney alertara. E o gênio de Roberto Owen estava em seu ápice quando, um século antes, ele descreveu o motivo do lucro como “um princípio inteiramente desfavorável à felicidade pública e do indivíduo”. 

A Realidade da Sociedade 

Eu argumento pela restauração daquela união de motivações que deveria informar o homem na sua atividade diária como um produtor, pela reabsorção do sistema econômico na sociedade, pela adaptação criativa dos nossos modos de vida em um ambiente industrial. 

Em todos esses casos, a filosofia do laissez-faire, com seu corolário de uma sociedade de mercado, cai por terra. Ela é responsável pela divisão da unidade vital do homem no homem “real”, debruçado sobre valores materiais, e seu “ideal” melhor eu. Ela está paralisando nossa imaginação social incentivando mais ou menos inconscientemente o preconceito do “determinismo econômico”. Ela fez o seu serviço naquela fase da civilização industrial que está atrás de nós. Ao preço de empobrecer o indivíduo, ela enriqueceu a sociedade. Hoje, estamos diante da tarefa vital de restaurar a completude da vida à pessoa, mesmo que isso possa significar uma sociedade tecnologicamente menos eficiente. Em diferentes países de diferentes modos, o liberalismo clássico está sendo descartado. Na Direita e Esquerda e Centro, novas avenidas estão sendo exploradas. Os Social-Democratas britânicos, New Dealers americanos, e também os fascistas europeus e anti-New Dealers americanos das várias marcas “corporativistas”, rejeitam a utopia liberal. Nem o humor político presente de rejeição à tudo que é russo cega-nos da conquista dos russos em ajuste criativo a alguns dos aspectos fundamentais de um ambiente industrial. 

Em bases gerais, a expectativa Comunista da “degeneração do Estado” parece-me combinar elementos de utopismo liberal com indiferente prática às liberdades institucionais. Quanto ao Estado em degeneração, é impossível negar que a sociedade industrial é uma sociedade complexa, e nenhuma sociedade complexa pode existir sem um poder organizado no centro. Contudo, novamente, esse fato não é desculpa para a o estigma dos Comunistas sobre a questão das liberdades institucionais concretas. 

É nesse nível de realismo que o problema da liberdade individual deveria ser encontrado. Nenhuma sociedade humana é possível na qual o poder e a compulsão estejam ausentes, nem é um mundo no qual a força não tem função. A filosofia liberal deu uma falsa direção aos nossos ideais ao sugerir uma promessa de atendimento a tais expectativas intrinsecamente utópicas. 

Mas sob o sistema de mercado, a sociedade como um todo permaneceu invisível. Qualquer um poderia imaginar-se livre da responsabilidade por aqueles atos de compulsão por parte do Estado no qual ele, pessoalmente, repudiava, ou pelo desemprego e destituição através das quais ele, pessoalmente, não se beneficiava. Pessoalmente, ele permaneceu desvencilhado nas maldades do poder e do valor econômico. Em boa consciência, ele poderia negar a realidade deles em nome da sua imaginária liberdade. 

Poder e valor econômico são, de fato, um paradigma da realidade social. Nem o poder nem o valor econômico emergem da escolha humana; a não-cooperação é impossível no que se refere a eles. A função do poder é garantir aquela medida de conformidade que é necessária para a sobrevivência do grupo: como David Hume mostrou, sua fonte última é a opinião - e quem poderia abster-se de manter opiniões de uma forma ou de outra? O valor econômico, em qualquer sociedade, garante a utilidade dos bens produzidos; ele é o selo colocado sobre a divisão do trabalho. Sua fonte são os desejos humanos - e como nós poderíamos esperar não preferir uma coisa à outra? Qualquer opinião ou desejo, não importa em qual sociedade vivamos, nos fará participantes na criação do poder e na constituição do valor. Nenhuma liberdade para fazer de outra forma é concebível. Um ideal que baniria o poder e a compulsão da sociedade é intrinsecamente inválido. Ao ignorar essa limitação aos desejos significativos do homem, a visão de mercado da sociedade revela a sua essencial imaturidade. 

O Problema da Liberdade 

A derrocada da economia de mercado incorre em dois tipos de liberdade: algumas boas, outras ruins. 

Que a liberdade de explorar-se seus companheiros, ou a liberdade de se fazer ganhos excepcionais sem um serviço mensurável à comunidade, a liberdade de aprisionar inovações tecnológicas sem que elas sejam usadas para o benefício público, ou a liberdade de lucrar a partir de calamidades públicas secretamente projetadas para auferir uma vantagem privada, podem desaparecer juntamente com o livre mercado, são todas para o bem. 

Mas a economia de mercado sobre a qual essas liberdades prosperaram também produziu liberdades que nós temos em alta estima. Liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de escolher seu próprio emprego - nós as prezamos por elas mesmas. Entretanto, por uma larga medida, elas foram os subprodutos da mesma economia que também foi responsável pelas liberdades para o mal. 

A existência de uma esfera econômica separada na sociedade criou, como se assim sempre o fosse, uma clivagem entre a política e a economia, entre o governo e a indústria, que estava na natureza de homem nenhum. Assim como a divisão de soberania entre o papa e o imperador deixou os príncipes medievais em uma condição de liberdade que por vezes beirava a anarquia, assim também a divisão de soberania entre governo e indústria no século XIX permitiu mesmo ao homem pobre experimentar liberdades que em parte compensavam seu estado amaldiçoado. 

O ceticismo atual com respeito ao futuro da liberdade reside nisso. Existem aqueles que argumentam, como Hayek, que como instituições livres foram um produto da economia de mercado, elas devem ceder lugar para a servidão caso essa economia desapareça. Existem outros, como Burnham, que argumentam sobre a inevitabilidade de alguma forma nova de servidão chamada “gerencialismo”. 

Argumentos como esses meramente provam a extensão com que o preconceito economístico ainda é desenfreado. Para tal determinismo, como vimos, é apenas outro nome para o mecanismo de mercado. Dificilmente é lógico argumentar sobre os efeitos da ausência desse mecanismo a partir da força derivada da sua presença. E certamente isso é contrário à experiência Anglo-Saxã. Nem o congelamento dos trabalhos nem o serviço seletivo cancelaram as liberdades da população americana, como qualquer um que passou os anos 1940-1943 nos Estados Unidos pôde testemunhar. A Grã-Bretanha durante a guerra introduziu em todas as áreas uma economia planejada e livrou-se da separação entre governo e indústria da qual a liberdade do século XIX emergiu, entretanto as liberdades públicas nunca foram mais seguramente entrincheiradas do que no ponto mais alto da emergência. Na verdade, nós teremos precisamente tantas liberdades quanto desejemos criar e proteger. Não existe nenhum fator determinante único na sociedade humana. Garantias institucionais à liberdade pessoal são compatíveis com qualquer sistema econômico. Apenas na sociedade de mercado o mecanismo econômico rebaixou a lei. 

Homem versus Indústria 

 O que aparece para a nossa geração como o problema do capitalismo é, na realidade, o problema muito maior da civilização industrial. O liberalista econômico é cego a esse fato. Ao defender o capitalismo como um sistema econômico, ele ignora o desafio da Era da Máquina. Ainda assim os perigos que fazem os maiores terremotos hoje transcendem a economia. As preocupações idílicas da quebra de confiança e a Taylorização foram substituídas por Hiroshima. O barbarismo científico está farejando nossos passos. Os alemães estão planejando uma engenhosidade para fazer o Sol emanar raios da morte. Nós, de fato, produzimos uma explosão de raios da morte que obscureceu o Sol. Porém os alemães tinham uma filosofia má, e nós temos uma filosofia humana. Nisso nós deveríamos aprender a enxergar o símbolo da nossa exposição ao perigo. 

Entre aqueles na América que estão cientes das dimensões do problema, duas tendências são discerníveis: alguns acreditam em elites e aristocracias, no gerencialismo e na corporação. Eles sentem que toda a sociedade deveria ser mais intimamente ajustada ao sistema econômico, o qual eles desejam que permaneça imutável. Esse é o ideal do Admirável Mundo Novo, onde cada indivíduo é condicionado a apoiar uma ordem que foi projetada para ele pelos que lhe são mais sábios. Outros, pelo contrário, acreditam que em uma sociedade puramente democrática o problema da indústria resolver-se-ia a si mesmo através da intervenção planejada dos próprios produtores e consumidores. Tal ação consciente e responsável é, de fato, uma das encarnações da liberdade em uma sociedade complexa. Porém, como os assuntos deste artigo sugerem, tal empreitada não pode ser bem sucedida a menos que seja disciplinada por uma visão total do homem e da sociedade muito diferente daquela que herdamos da economia de mercado.

Fonte: http://plataformapoliticasocial.com.br/57/


O ESTADO COMO PROBLEMA E SOLUÇÃO - PETER EVANS

KICKING AWAY THE LADDER: THE REAL HISTORY OF FREE TRADE - HA-JOON CHANG

NEOLIBERALISMO E NEO-IMPERIALISMO: GÉRARD DUMÉNIL E DOMINIQUE LÉVY

THE AUSTERITY DELUSION - MARK BLYTH

BUILDING THE ENTREPRENEURIAL STATE - MARIANA MAZZUCATO


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